Identidade Profissional | 25-05-2022 09:59

Pais são chamados à escola e duvidam dos disparates dos filhos

Urbina Ferreira diz que a comunidade escolar deve ser para os alunos como uma segunda família

Urbina Ferreira deixou cedo a escola para se dedicar à agricultura como os seus pais. Voltou a pegar nos livros mais tarde, ainda antes de saber que a escola seria um dia o seu local de trabalho. Há 16 anos que é assistente operacional na EB 2,3 Duarte Lopes, em Benavente, onde os alunos lhe pedem conselhos e a tratam por tia Urbina.

Urbina Ferreira tem 49 anos e é assistente operacional há 16 anos na Escola EB 2,3 Duarte Lopes, do Agrupamento de Escolas de Benavente. Os dias são preenchidos com tarefas que se dividem entre telefonemas com encarregados de educação, vigia e acompanhamento dos alunos que a tratam – tal como às restantes colegas – por tia Urbina. Uma alcunha que começou há anos por iniciativa de um aluno e que foi passando de boca em boca. “Hoje somos todas tias destas crianças. É como se fossemos a sua segunda família que está cá para dar afecto, conselhos, mas também uma repreensão quando é preciso”.
Pelos corredores da escola, a única onde trabalhou, Urbina Ferreira já perdeu a conta aos abraços e conforto que distribuiu e aos conselhos que deu, nomeadamente sobre o amor. “Muitas vezes têm vergonha de comentar com os pais e é connosco que vêm ter para desabafar. Numa profissão destas, além das tarefas que temos para cumprir é preciso termos empatia e conseguirmos relacionar-nos com as crianças”. Quando as lágrimas que limpa se devem a amores não correspondidos as palavras são quase sempre as mesmas: “Vais ver que a tristeza passa e outras paixões virão”.
Desde que começou a trabalhar nesse estabelecimento de ensino as rotinas e as brincadeiras de recreio mudaram, assim como os alunos que são hoje “mais agitados e rebeldes” e menos compatíveis com regras. “Talvez porque estão habituados a ter tudo o que pedem. A educação que recebem em casa reflecte-se nas atitudes que têm na escola”, afirma, acrescentando que “alguns pais são chamados à escola e não acreditam que o filho fez disparates” porque em casa não vêem esse tipo de comportamentos. Depois confessa: “Lidar com faltas de respeito é o mais difícil desta profissão. Umas vezes ouvimos e relativizamos, mas se forem constantes e vindas do mesmo aluno não podemos deixar passar porque também é nossa função ajudar a educar”.
Urbina Ferreira fica revoltada sempre que apontam a falta de funcionários quando ocorrem acidentes ou situações de violência nas escolas, mas ao mesmo tempo reconhece que actualmente são em número insuficiente. “Quando entrei éramos o dobro e as tarefas eram as mesmas. Como é óbvio não conseguimos dar a mesma atenção aos alunos no recreio”, vinca, lamentando que a profissão, de extrema importância para fazer da escola um lugar melhor, não seja valorizada e a progressão na carreira esteja há anos estagnada. “Devíamos, por exemplo, ter um curso de primeiros socorros porque temos que lidar com situações complicadas e muitas vezes não sabemos como agir ou se o que estamos a fazer é o mais correcto”, diz.
Atrás do balcão da recepção, onde passa grande parte do seu dia de trabalho, Urbina Ferreira conta que tem sempre um pacote de bolachas. “Há crianças que vêm para a escola sem tomar o pequeno-almoço”, conta, explicando que sempre que uma situação dessas é detectada a refeição é servida gratuitamente no bar da escola. “Nenhum aluno fica sem comer, jamais!”, vinca.

Da sala de aula para o campo
A sua passagem pela escola foi mais curta do que o desejado. Aos 12 anos a sala de aula foi trocada pelo campo e os livros pela enxada com a qual amanhava a terra. Nasceu filha de pais agricultores e “com muito orgulho” aprendeu a plantar, semear e a colher de tudo um pouco. Por vezes, o corpo queixava-se do cansaço e a vontade era de estar noutro lugar, mas “fazia de tudo para não desiludir o pai”, cumprindo todas as tarefas por mais duras que fossem.
Ainda hoje se lembra do dia em que o seu pai lhe disse para conduzir o tractor e do medo que sentiu. Nunca tinha estado ao volante nem desse nem de outro veículo, mas encheu-se de coragem e cumpriu o pedido. “Embora não aparente, acho que sou uma pessoa mais nervosa por conta desses tempos”, recorda.
Urbina Ferreira define-se como uma mulher que apesar de “sofrer por antecipação” gosta de se pôr à prova e aceitar novos desafios. Voltou à escola para concluir o terceiro ciclo em horário pós-laboral e, no que toca a trabalho, além de ter sido agricultora até aos 22 anos já passou por um supermercado, uma fábrica de queijos e por uma estufa de flores. Mas entre todas estas experiências, ser assistente operacional foi “sem dúvida” a que mais a enriqueceu e realizou.

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