Opinião | 25-11-2018 00:32

Rosa Crucificação é Mónica Calhe no seu melhor espectáculo de sempre

Rosa Crucificação é Mónica Calhe no seu melhor espectáculo de sempre

No Teatro Praga, em Lisboa, uma performance a solo de cinquenta minutos para um só espectador. Uma experiência única e imperdível para quem conhece a aprecia a frase de Nietzsche:"Viver perigosamente é viver nu e sem vergonha"

Quem acha que já viveu todas as experiências radicais deste mundo precisa ir ao teatro ver Mónica Calhe em Rosa Crucificação, uma performance de 50 minutos, a solo, para um espectador, representado num pequeno cubículo, num palco quase sem luz, sem cenários nem adereços, com o som das vozes do hall de entrada do Teatro Praga e o grasnar das gaivotas da rua.

No espaço cénico onde a artista representa, o actor principal podemos ser nós. Mesmo sem nunca falarmos, ou respondermos com a cabeça à maioria das perguntas. No meu caso o segredo foi nunca desviar o olhar dos olhos da artista, que impõe silêncios, que nos obriga a ouvir a respiração, a espreitar o seu peito quase à vista, até se desnudar, que nos envolve num abraço e num beijo que nos faz crer que não estamos num teatro mas a jogar um jogo que vamos aprendendo de maneira acidental, enquanto ela o sabe e cultivou no seguimento de uma aprendizagem rigorosa.

Pagar o preço do bilhete à entrada do palco, que é um cubículo, que a própria actriz cobra soletrando os dez euros como nunca ouvimos numa bilheteira de um teatro, como se já estivesse a representar, é o início de uma longa intimidade, barra, representação, que nos deixa desarmados e à beira da comoção.

Quero acreditar que o espectáculo que eu paguei com uma nota de dez euros, o preço à hora de um serviço de servente na maioria das profissões, faz parte da ilusão que Mónica Calhe encena e representa no Teatro Praga, em Lisboa, até 20 de Novembro. Quero crer ainda que a artista sabe como ninguém o preço das ilusões, e baixou o valor do espectáculo para o preço de um livro de poesia em segunda mão para que todos os pobres mortais como eu não deixem de gozar alguns dos melhores prazeres da vida.

Vou guardar até ao resto dos meus dias o sabor das uvas que comi enquanto assistia à representação; e o cheiro do café a ferver que a artista preparou para os dois numa caneca igual à da minha avó materna que se chamava Ilda.

Quando esquecer o tremor nas pernas, que senti quando a artista me perguntou se podia dar-me um abraço, certamente já estarei morto e num estado avançado de decomposição ( A energia do abraço da Mónica Calle a representar Rosa Crucificação deixa marcas que certamente não desaparecem nos corpos em descanso mesmo depois do rigor mortis).

A identidade feminina,a sexualidade, a idade e o corpo, que aparecem como palavras chave no anúncio de Rosa Crucificação, assim como a nomeação da trilogia de Henri Miller ( (Sexus, Plexus, Nexus), é publicidade enganosa. A performance é um hino erudito ao nosso corpo, escrito na hora e na nossa pele, com as palavras simples da grande literatura e gestos que lapidam pedras que podem não ser diamantes.

Para terminar este texto de encantamento por Mónica Calhe e pela seu performance, da qual fui também artista por conta própria, cito Henri Miller que cita autor não nomeado no seu livro Nexus: "no puro amor ( que sem dúvida não existe a não ser na nossa imaginação), diz alguém que admiro: o que dá não tem consciência de que dá, nem do que dá, nem a quem dá, e ainda menos sabe se o que dá é ou não apreciado por quem recebe".

Como não sou escravo de nenhum amor derreti-me como uma vela a receber o fogo de Mónica Calle; Mas, entretanto, já pronto que nem um fósforo para me deixar arder outra vez.

JAE

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