Opinião | 19-06-2022 20:59

A bazuca invertida e as vivendas paleolíticas de Santo Estêvão

A bazuca invertida e as vivendas paleolíticas de Santo Estêvão

Ilustrado Manuel Serra d’Aire

Algumas famílias compraram casas supostamente prontas a habitar em Santo Estêvão mas quando se mudaram de armas e bagagens, depois de se desfazerem das suas anteriores habitações, descobriram que afinal a casa nova não tinha energia eléctrica porque os ramais de ligação à rede não cumpriam as normas em vigor e têm de ser alterados. Coisa que leva o seu tempo, já se sabe. Porque neste país tudo leva o seu tempo e é por isso que o povo, para justificar o ‘não guardes para hoje o que podes fazer amanhã’, até criou um ditado zoófilo: “as cadelas apressadas parem os cachorros cegos”.
Alegam os queixosos e indignados cidadãos que é impossível viver numa casa sem electricidade, contrariando categoricamente a História da Humanidade, que foi feita sem lâmpadas e restante parafernália de aparelhos até há pouco mais de um século. E que remédio tinham os nossos antepassados a não ser viver em casas sem lâmpadas, aquecedores, máquinas de lavar loiça e roupa, aspiradores, batedeiras, micro-ondas e carregadores para telemóveis. Tal como há a dieta paleolítica, tão em voga nestes tempos, ora aqui está uma oportunidade para experimentarem viver numa casa do paleolítico por uns tempos. Há quem pague balúrdios para viver as experiências mais radicais e estapafúrdias possíveis. Estes moradores já começaram a pagar, pelo que agora é desfrutar até que se faça luz…
Os milhares de milhões da União Europeia anunciados para o nosso país através do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) vão servir para financiar promessas antigas e projectos que não atavam nem desatavam. Dou-te dois exemplos na nossa região: as obras de requalificação e modernização da Zona Industrial de Rio Maior e o Centro de Excelência para a Agricultura, no Vale de Santarém. Se tudo tivesse corrido como o prometido as obras já estariam concluídas, ou pelo menos em desenvolvimento, graças a dinheiro do quadro comunitário de apoio Portugal 2020 que agora terminou. Essa era a intenção quando se realizaram aquelas lustrosas sessões solenes de assinatura de protocolos e quejandos com a habitual pompa e circunstância e discursos de gente engravatada.
Só que, verdadeiramente, nada aconteceu nesta última meia dúzia de anos, o que não surpreende muito atendendo ao desfasamento temporal que habitualmente existe entre os prazos anunciados pelos políticos e a data do final das obras (isto quando chegam a começar). A sorte é que agora há uma espécie de super-herói vestido de saco de dinheiro chamado PRR, a que alguns chamam ‘bazuca’ mas a que era mais apropriado chamar ‘tapa-buracos’, tantos são os que vão ser cobertos nos próximos anos para disfarçar a inércia e disfarçar as promessas incumpridas. ‘Bazuca’ é um nome inapropriado porque se trata de uma arma que abre buracos onde acerta e não o contrário. E esta, quanto muito, é uma bazuca invertida…
Uma continência do
Serafim das Neves

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