Opinião | 07-06-2022 09:59

“A energia e a guerra”

José Eduardo Carvalho

A invasão russa veio agravar uma tempestade que já existia. Antes já a cotação do GN tinha aumentado 500%; os fretes do GNL 400%; o preço mercado grossista de eletricidade 450%; os custos de emissão por ton CO2 400%. Mas veio revelar que o chamado mercantilismo alemão entregando a energia à Rússia, os componentes industriais à China, e a defesa aos EUA tem de ser repensado; que a segurança do abastecimento (um dos pilares da política energética) de 80% da energia consumida na EU tem de ser reavaliada; que a EU não pode continuar a tentar descarbonizar o planeta sozinha quando apenas emite 8% de CO2 do mundo.

Se se tivesse alcançado a “paz” logo nos primeiros dias da invasão russa, com a consequente capitulação da Ucrânia, como alguns desejariam, a Rússia continuaria a exportar para a EU 175 mil milhões m3 de GN; a Alemanha continuaria dependente do ponto de vista energético da Rússia em 58% do gás natural, 35% do petróleo e 22% do carvão; o preço do GN continuaria sob pressão, mas com tendência a ajustar-se, ultrapassados que fossem os efeitos da evolução do ciclo económico pós-pandemia; continuar-se-ia a encerrar centrais nucleares e de carvão e a definir metas ambiciosas de redução de emissões nos países da EU, que pouco contribuem para as emissões globais de CO2; e publicaríamos taxas protecionistas de carbono, de eficácia duvidosa para combater o dumping ambiental, provocado pelos países que mais contribuem para as emissões globais.

resistência ucraniana, as armas dos países ocidentais e a defesa dos nossos valores vieram alterar esta situação.

A invasão russa veio agravar uma tempestade que já existia. Antes já a cotação do GN tinha aumentado 500%; os fretes do GNL 400%; o preço mercado grossista de eletricidade 450%; os custos de emissão por ton CO2 400%. Mas veio revelar que o chamado mercantilismo alemão entregando a energia à Rússia, os componentes industriais à China, e a defesa aos EUA tem de ser repensado; que a segurança do abastecimento (um dos pilares da política energética) de 80% da energia consumida na EU tem de ser reavaliada; que a EU não pode continuar a tentar descarbonizar o planeta sozinha quando apenas emite 8% de CO2 do mundo; que foi um tremendo erro geopolítico pensar que através dos negócios e das complementaridades que daí adviesse, se pudesse instaurar uma democracia liberal e livre na Rússia; e que, finalmente, é necessária moderação na definição de metas ambientais dada a pressão que tal provoca nos balanços das empresas e na política orçamental, nomeadamente nos países com um crescimento económico frágil.

A guerra veio introduzir moderação e realismo nas políticas de transição e demonstrar que a EU não consegue viver sem gás; que não podemos deixar de investir em fontes de energia fósseis quando o mundo ainda funciona a petróleo e a gás; que a produção de eletricidade ainda requer por muito tempo a existência de centrais de ciclo combinado; que uma expansão significativa de hidrogénio como substituto futuro do GN precisa das suas infraestruturas físicas; que o gás é insubstituível na matriz energética e que podemos com a produção de gases renováveis criar uma produção endógena, necessária para a independência energética de Portugal e EU.

Se a procura/oferta do petróleo será inevitavelmente reequilibrada, permitindo baixar preços, e outros produtores irão compensar a redução de quebras no fornecimento do mercado russo, a situação do GN é mais complexa e grave.

Definiram-se metas para reduzir a importação de GN russo, mas não há GNL suficiente disponível para o substituir. A construção da nova capacidade de GNL leva tempo, e os efeitos serão de médio prazo.

A dependência energética de países com alguma fragilidade económica como a Bulgária, Roménia, Hungria e Eslováquia são muito difíceis e complexas de gerir, e cria fissuras no bloco europeu.

A EU vive num dilema: apoia a Ucrânia com material militar; e financia o invasor através da compra de GN.

No meio disto, a posição da Alemanha merece alguma reflexão.

A economia alemã ficou sob uma significativa dependência energética com o abastecimento barato de gás russo; criou insegurança nos abastecimentos energéticos; provocou erros geopolíticos que todos agora lamentamos; deixou o setor de energia fora das sanções da EU à Rússia.

Não está disposta a parar com importações de energia da Rússia nem a taxá-las. Não quer enfrentar uma ligeira recessão para asfixiar a economia russa. Patrões e sindicatos avisam que tal decisão provocaria desemprego, desindustrialização e encerramento de empresas. E o Banco Central Alemão estima que um eventual embargo provocaria uma recessão na Alemanha e uma retração até 5% do PIB.

Há umas semanas atrás, as sondagens alemãs mostravam que a maioria dos alemães apoiariam sanções energéticas à Rússia. Agora não sei. Mas quando governo, empresários, sindicatos e banco central, assumem uma posição concertada, nada há a fazer no curto prazo, para contrariar o contínuo financiamento da economia russa e por consequência da sua máquina de guerra.

Prolongar a vida de três centrais nucleares, manter centrais a carvão, e construir 2/3 terminais de GNL, são passos importantes para reduzir a sua dependência dos fornecimentos russos, mas sem impacto no imediato.

Por todas estas razões, os preços do GN vão continuar muito pressionados e é uma situação que se irá manter.

Aguarda-se por isso, que a combinação de medidas de apoio às empresas, e os efeitos a médio prazo das medidas e políticas que estão a ser tomadas possam reduzir a dependência de GN da Rússia, influenciar e ajustar os preços.

Não se duvida que os efeitos de políticas agressivas de eficiência energética; aceleração dos programas de produção de energias através de fontes renováveis; construção de terminais de GNL ou plataformas flutuantes com capacidade de regaseificação, que permite o reforço de diversificação para o GNL; reforço das interligações entre os estados-membros; constituição de stocks para enfrentar o inverno; celebração de contratos com novos fornecedores; derrapagem das metas de descarbonização; recurso transitório e moderado às centrais de carvão e nuclear; terão necessariamente de criar efeitos positivos tanto na dependência energética face à Rússia como nos preços.

Terminaria com três breves comentários. Primeiro, sobre as medidas de apoio às empresas. A principal medida centra-se no plafonamento do preço de referência do GN para produzir eletricidade nas centrais de ciclo combinado que acabarão por beneficiar as empresas mais expostas aos consumos energéticos.

Conhecemos os efeitos colaterais deste tipo de medidas: o déficit tarifário que irá provocar, se tal for permitido por Bruxelas; e a complexidade da sua implementação. Mas neste momento não vejo qualquer medida com efeito alternativo a este, que possa ter tanta influência nas contas de exploração dessas empresas.

Segundo: As propostas que o governo está a estudar para construir uma solução de abastecimento de GNL para norte da Europa, a partir de Sines, merece a nossa melhor atenção. O transhipping de GNL para barcos de menor dimensão e calado com destino a estes mercados é uma das componentes deste projeto que nos parece positivo.

Terceiro e último: O Presidente da Endesa disse, há umas semanas atrás, que no mercado de futuros de eletricidade, os preços que são projetados para Portugal em 2025 são metade da Alemanha e da França, devido ao aproveitamento dos recursos renováveis. São por isso indicadores importantes que nos dão alguma esperança no meio desta tempestade perfeita.

Nota: Este artigo foi elaborado a partir de uma intervenção que fiz no dia 27/04/2022 num seminário organizado pela “Expense Reduction Analysts / AIP” sobre “crise energética e as empresas”. Não fiz qualquer alteração às ideias aí expressas. Por o considerar atual resolvi publicá-lo. Regista-se apenas uma evolução positiva na Alemanha, não sobre as sanções (a ambiguidade continua) mas sim no apoio militar à Ucrânia, que se saúda.

José Eduardo Carvalho

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