Opinião | 25-02-2022 06:59

<strong>A prisão perpétua</strong>

Santana-Maia Leonardo

Um tribunal francês condenou a prisão perpétua Nordahl Lelandais pelo sequestro e assassinato da menina lusodescendente de 8 anos, em 2017, e ainda por agressões sexuais a duas primas com 4 e 6 anos de idade. António Costa e o PS têm agora uma boa oportunidade de demonstrar a sua coerência reagindo à aplicação da pena perpétua por um tribunal de um Estado liderante da UE e considerado a pátria da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

António Costa e o PS venceram as últimas eleições legislativas, com maioria absoluta, fazendo da oposição à prisão perpétua, em nome da defesa dos direitos humanos, a sua grande bandeira eleitoral, sendo precisamente esta a linha vermelha que, na opinião dos seus candidatos e comentadores ao seu serviço, distinguia o PS da direita.

Ora, acaba de ser noticiado, pelo jornal Le Monde, que um tribunal francês condenou a prisão perpétua Nordahl Lelandais pelo sequestro e assassinato da menina lusodescendente de 8 anos, em 2017, e ainda por agressões sexuais a duas primas com 4 e 6 anos de idade, no mesmo verão de 2017.

António Costa e o PS têm agora uma boa oportunidade de demonstrar a sua coerência. Aliás, se António Costa e o PS consideram, efectivamente, que a prisão perpétua é uma grave violação dos direitos humanos, já deviam ter reagido à sua aplicação por um tribunal de um Estado liderante da UE e considerado a pátria da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Com efeito, o silêncio do PS sobre a aplicação, por um país da UE, de uma pena que os socialistas classificam como do tempo da barbárie, só demonstra que as convicções dos socialistas variam de acordo com as conveniências do momento. Ao contrário dos comunistas que continuam a ser marxistas (de Karl Marx), os socialistas portugueses evoluíram para marxistas do comediante Groucho Marx: “Estes são os meus princípios. Se você não gostar, eu tenho outros.”.

Não vale a pena o leitor começar já a argumentar se a prisão perpétua se justifica ou não para este tipo de crime, porque, como é óbvio, a prisão perpétua nos países da UE aplica-se precisamente a este tipo de crimes, ou seja, a crimes de extrema perversidade, violência e perigosidade. Sendo certo que prisão perpétua, na maioria dos países da UE, não significa necessariamente prisão para toda a vida. No entanto, não é a prisão perpétua e as suas diferentes variantes que eu pretendo tratar neste artigo. O que está sobre a mesa é avaliação do grau de coerência e de hipocrisia dos políticos que elegemos.

Não podemos, no entanto, deixar de trazer, de novo, à colação o mundo do futebol português, na medida em que é espelho do nosso país. Toda a minha gente se indigna com a nossa justiça desportiva, cujas penas não são nem dissuasoras, nem punitivas das graves infracções que vão sendo praticadas todos os dias por dirigentes, treinadores, jogadores, adeptos e comentadores dos diferentes clubes portugueses. E toda a gente dá como exemplo a mão pesada dos regulamentos e da justiça desportiva das outras ligas europeias.

Por que razão, então, Benfica, Sporting e Porto não copiam os modelos dos regulamentos das outras ligas europeias? Não sabem a resposta? Pela mesma razão que PS e PSD tremem só de ouvir falar numa justiça penal mais dura, mais célere e mais dissuasora. Ninguém espere, pois, que PS, PSD, Benfica, Sporting e Porto alterem os regulamentos desportivos ou a legislação penal, quando são os principais beneficiários do status quo que, sabiamente, cozinharam.

Quando se fala em que todos têm direito a uma segunda oportunidade, é bom não esquecer que as vítimas mortais não têm segunda oportunidade e que a esmagadora maioria da gente que vive miseravelmente por esse mundo fora, como é o caso dos migrantes que arriscam a sua vida na travessia do Mediterrâneo ou que trabalham como escravos em Portugal, não lhes é dada sequer uma única oportunidade.

Mas todos sabemos o que a casa gasta. Em Portugal, os Direitos Humanos e o Estado de Direito são artigos de luxo apenas acessíveis à bolsa de uma pequena elite e para exibir nos processos mais mediáticos. Quanto ao povo, tem de se contentar com a sopa dos pobres da justiça portuguesa, enquanto a classe média é esmifrada para pagar uma justiça desmesuradamente cara, altiva, arbitrária e profundamente injusta.

Mal vai a justiça de um país quando certas pessoas confiam tanto nela.

Santana-Maia Leonardo

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1660
    17-04-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1660
    17-04-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo