Opinião | 11-01-2022 16:40

O crivo: o trigo e o joio

P.N.Pimenta Braz

Um país pobre, com salários pobres, onde ter trabalho não significa fugir da pobreza e com a produtividade na cauda da Europa, permite-se discutir, olimpicamente, a bondade da semana de 4 dias. Alguém anda a “reinar” comigo, certamente. P.N.Pimenta Braz

Inspirados em terceiros, podemos utilizar um exercício mental que nos auxilie numa desejável introspecção, permitindo que nos contextualizemos em cada momento da nossa existência; para tal, importará então percebermo-nos no momento do nosso funeral, imaginarmo-nos dentro de uma simples caixa de madeira. Pessoas circundam o féretro. O que dizem os outros de nós? Como nos descrevem na nossa passagem terrena? 

Bom, não se trata de qualquer metodologia soturna e lúgubre, ou de sortilégios mais ou menos místicos. É um crivo que habitualmente utilizo para me poder distanciar o suficiente – e para me rir de mim mesmo -, para então prosseguir por onde julgo que devo caminhar.

Serve para perceber, muitas vezes, o absurdo de muitas das nossas quotidianas e pífias contendas. Já agora, serve para me rir também de muitos políticos, de muitos debates e de muitas propostas que nos apresentam. Relativiza tudo. Dá-lhe as devidas distâncias.

Vamos ter eleições no dia 30 de Janeiro e algumas dessas propostas que surgem do nada – curiosamente em plena época pré eleitoral -, fazem-me rir, amarguradamente.  E fazem-me rir, não apenas porque não concordo com as mesmas, mas também e sobretudo, pelo despropósito das mesmas e pelo cariz de engodo que encerram. São lindas, atractivas e desgraçadamente más.  O mais curioso é que a horda morde o isco e debate furiosamente essas promessas como se o mundo terminasse no dia 30 de Janeiro. Sim, porque no dia 1 de Fevereiro os prometimentos vão esfumar-se, silenciosamente.

Começo pela proposta da semana dos 4 dias. Como sofro de cieiro nos lábios – principalmente agora no Inverno – quase que me arrisquei a ficar com eles profundamente rasgados de fissuras e fendas, tal foi a profusão de gargalhadas que não consegui conter. Um país pobre, com salários pobres, onde ter trabalho não significa fugir da pobreza e com a produtividade na cauda da Europa, permite-se discutir, olimpicamente, a bondade da semana de 4 dias. Alguém anda a “reinar” comigo, certamente. Rio-me, para não chorar. 

Outra proposta é a regionalização. Proposta séria – ao invés da anterior -, mas que nos distrai, uma vez mais, do que é essencial, i.e., da criação de riqueza que, desesperadamente, temos de intensificar. Insistimos em discutir métodos de redistribuição de uma riqueza que…não existe. A regionalização será sim mais um degrau burocrático, amplificará o número de lugares políticos a distribuir, assegurará por esse meio mais cumplicidades, mais empregos, mais clientelas e mais influências políticas para captura de votos. Por último, mas não menos importante, aumentará inapelavelmente a despesa pública estrutural. Também gargalho quando alguém promete uma regionalização sem aumento da despesa pública. Como? Pode repetir? Regionaliza-se sem aumentar a despesa pública? De novo, anda alguém a “reinar” comigo, certamente. Ai o meu cieiro…

Distanciemo-nos das discussões fátuas que nos querem vender e de sábios veredictos de quem ganhou ou perdeu debates. Utilizemos os crivos do nosso “bom senso” para entendermos, rigorosamente, o que é genuinamente importante e o que nos pode ainda fazer perspectivar um horizonte de esperança para os nossos filhos aqui em Portugal. 

Imaginemos o nosso país numa caixa de madeira. O que diria a humanidade do nosso fenecimento? Descobrimentos, descobrimentos e mais descobrimentos…e talvez que o velhote faleceu por preguiça sem deixar saudades.

Separar o trigo do joio, para não morrer a rir da nossa desgraça.

P.N.Pimenta Braz

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