Opinião | 15-09-2022 09:59

Olivença

P.N.Pimenta Braz

Pobre país este, que ainda hoje continua a insistir na responsabilização de terceiros pelos erros que vai cometendo. A culpa nunca é nossa. Foi da Merkel, foi da “troika”, é da guerra na Ucrânia, é da inflação… Olivença configura mais uma metáfora da nossa existência: fomos desleixados, irresponsáveis, desorganizados e cobardes e a vila caiu.

Pequeno povoado alentejano que desde 21 de Março de 1801 é administrado por Espanha. Fui até lá. Não por habitual impulso turístico – vai-se antes a Mérida ou a Cáceres – mas antes, digamos assim, por afeição patriótica. Não fui apenas de passagem: fiz questão de pernoitar, completando quase 24 horas de permanência.

Em Olivença, deparei-me com uma vila tipicamente alentejana. Do alto da torre de menagem do castelo, vislumbra-se um casario imaculadamente branco, enfeitado com telhados de barro vermelho, que serpenteia ruelas docemente adelgaçadas, configurando um conjunto que poderia muito bem ser o de qualquer outra povoação alentejana.

Se é fácil calcorrear as ruelas e recantos da pitoresca vila – passar pelas portas, admirar o portal manuelino -, já não o é entrar nas suas igrejas e capelas. Das três que queria visitar, consegui entrar apenas na belíssima Igreja de Santa Maria Madalena – porque nela se celebrou uma missa -, encontrando-se fechadas tanto a Capela do Espírito Santo, como a Igreja de Santa Maria do Castelo. Portanto, numa ida propositada a Olivença, o risco de não se conseguir ver nada é muito elevado. Já o Museu Etnográfico Gonçalo Santana constituiu uma agradável surpresa, visto que apresenta um conjunto de composições do quotidiano de antanho que merecem uma visita demorada.

Bom, não sei se iludido por um falso imaginário patriótico, o que é certo é que a visita no seu conjunto, me desiludiu a alma. Foram as pessoas? Não. Os oliventinos são simpáticos e atenciosos. Nada a dizer. Aliás, como qualquer outra localidade espanhola que tenho visitado. Pois…julgo que esse terá sido precisamente o problema: Olivença, retirando a sua aparência física de vila alentejana, é mesmo uma povoação espanhola, igual a tantas outras.

As suas gentes expressam-se em castelhano, tendo até dificuldades em nos entenderem se falamos português; a gastronomia dos seus restaurantes, com excepção do “bacalao a la portuguesa” é totalmente espanhola; o horário do comércio é tipicamente espanhol; as dezenas de crianças que corriam e brincavam à noite pelas ruelas – que bom ver que ainda se brinca na rua! – falavam todas…castelhano. Respira-se Espanha, não Portugal.

Olivença não tem culpa da ilusão que transportava comigo, pois a realidade que testemunhei – e após 221 anos de administração de Madrid -, verdadeiramente, não poderia ser outra. Espanha está consolidada em Olivença. O povo oliventino assume-se inteiramente espanhol e se lhe fosse proposta uma reintegração em Portugal, a resposta seria certamente negativa.

Sim, Portugal faz bem em não reconhecer a soberania espanhola, mas fá-lo também sem qualquer convicção – limita-se a omitir o assunto.

Todavia, também temos “culpas no cartório”. Olivença caiu sem que se tenha disparado um único tiro, tal a valentia dos portugueses da altura. Bastou que as tropas da 3.ª divisão do exército espanhol comandada pelo Marques de Castelar, desfilassem perante as muralhas oliventinas, para que tudo soçobrasse. O então governador de Olivença, Júlio César Augusto de Chermont – um francês ao serviço de Portugal – rendeu-se sem qualquer resistência. Olivença caiu sem honra e sem dignidade.

Curiosamente, o comandante geral das tropas espanholas que entraram em Portugal – o ambicioso primeiro-ministro e chefe militar Manuel de Godoy -, tinha sido feito Conde de Évora-Monte por D. Maria I de Portugal em 1797. Imagine-se! Aliás, o próprio Godoy era filho de mãe portuguesa…

Pobre país este, que ainda hoje continua a insistir na responsabilização de terceiros pelos erros que vai cometendo. A culpa nunca é nossa. Foi da Merkel, foi da “troika”, é da guerra na Ucrânia, é da inflação… Olivença configura mais uma metáfora da nossa existência: fomos desleixados, irresponsáveis, desorganizados e cobardes e a vila caiu.

É que nem o espanhol que é falado em Olivença tem pronúncia alentejana.

P.N.Pimenta Braz

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