Opinião | 06-01-2022 19:47

Os livros de 2021 na nossa ranhosa e babosa República das Letras

JAE

Para quem gosta de desafios deixo aqui algumas das minhas melhores leituras de 2021com a certeza de que me esqueci de muitos livros e autores importantes. JAE


“Contenho vocação pra não saber línguas cultas. A única língua que estudei com força foi a portuguesa. Estudei-a com força para poder errá-la ao dente. Sou capaz de entender as abelhas do que alemão”. Roubo versos do poeta brasileiro Manoel de Barros para iniciar a crónica do anunciado ano de 2022 que vai ser de pandemia e de grandes desafios para quem nos governa e, mais ainda, para quem deve vigiar os governantes. Não cito Agostinho da Silva mas escrevo a pensar nele quando disse, ou escreveu, que um homem para sobreviver não precisa mais do que de um prato de sopa e uma côdea de pão por dia.
Li recentemente que o D. Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, é o segundo livro mais lido em todo o mundo a seguir à Bíblia. E, no entanto, a frase que o tornou famoso só ocupa uma das cerca de 800 páginas, que é da investida de D. Quixote contra moinhos de vento. Foi o livro que reli em 2021 que mais prazer me deu. Vou, no entanto, manter-me fiel a dois escritores de língua portuguesa, vivos e de boa saúde, que considero os melhores da actualidade. Mário de Carvalho, que acabou de publicar um livro de memórias “De maneira que é claro”, que merece sempre ser revisitado no seu melhor livro “Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde”, e Ana Miranda, a brasileira do Ceará, autora de “Musa Praguejadora” e “A Última Quimera”, que reli também em 2021 nas páginas de “O Retrato do Rei”, um romance sem paralelo na língua portuguesa, nunca editado em Portugal, que retrata uma época do século XVIII em que os portugueses andavam no Brasil na caça ao ouro, esse metal que “não é riqueza mas apenas um brilho instantâneo”.
O livro de 2021 em Portugal é “O Infinito num Junco”, da espanhola Irene Vallejo: Não sou só eu a reconhecê-lo porque não há no mercado outro livro com tantas reedições ao longo do ano; com justiça; o livro faz jus aos epitáfios e aos gritos de alma espalhados aos quatro ventos, ao longo dos séculos, de que “a instrução é a única das nossas coisas que é imortal e divina”, e que “só a inteligência rejuvenesce com os anos e o tempo, que arrebata tudo, dá sabedoria à velhice”.
Leila Slimani com “O País dos Outros” voltou às livrarias portuguesas para contar a história de uma mulher francesa que aceitou ir viver para Marrocos fazendo o percurso inverso da autora que saiu do seu país com 17 anos para ir estudar em Paris. O livro é cruel com a personagem principal, mas a autora de “O Jardim do Ogre”, o seu primeiro e melhor livro, merece ser lida com muita atenção por quem ama a literatura e as grandes histórias.
Paul Theroux teve direito à edição de dois livros em 2021: a redição de “A Arte de Viajem” e “Figuras numa Paisagem”, ambos da Quetzal. O escritor viajante é leitura obrigatória desde que me conheço; para quem coleciona romances recomendo a leitura de “Mão Morta – Um Crime em Calcutá”, um romance de 2011 onde podemos avaliar ainda melhor a mestria da escrita deste americano, nascido em 1941, que dizem viver agora à beira de uma praia no Havai.
Casimiro de Brito ( nasceu em 1938) publicou dois livros em 2021: “No amor tudo se move” e “Amor Nu” na editora “Razões Poéticas”. É o poeta maior da poesia portuguesa e um dos mais injustamente ignorado pelas editoras, o que prejudica o conhecimento da sua vasta obra.
Rosa Montero (1951) é autora de “A Louca da Casa”, um livro que vai ficar para a posteridade. Em 2021 editou um romance que se lê de um fôlego intitulado “A Boa Sorte” que considero imperdível para quem coleciona bons romances.
Gilda Santos assinou o volume X da Obra Completa de Eduardo Lourenço, um livro que reúne tudo o que o autor do “Labirinto da Saudade” escreveu sobre Jorge de Sena. O livro, além de coligir os ensaios dispersos, acrescenta inéditos, reedita toda a correspondência, enfim, é um serviço à cultura portuguesa e a duas das grandes figuras do pensamento e da cultura portuguesa de todos os tempos.
Francisco Pinto Balsemão marcou o ano com a publicação da sua autobiografia. A história da política e do jornalismo em Portugal, depois do 25 de Abril de 1974, estão condensadas naquelas quase mil páginas. O livro já vai na terceira reimpressão mas a crítica ao livro foi a do país dos brandos costumes; Balsemão merecia que o jornalismo cultural em Portugal não estivesse entregue a meia dúzia de jornalistas que escrevem com luvas de pelica.
Há livros que não passam pelas estantes das grandes livrarias mas que vêm ao nosso encontro para nos despertar para a beleza das coisas que nos rodeiam. É o caso do livro de poesia de Maria F. Roldão, “Pequeno Sangue”; toda a poesia de Jorge Sousa Braga, incluindo muitas traduções; a poesia de Luís Filipe Parrado, que inclui igualmente excelentes traduções; toda a obra poética e diarística de Vergílio Alberto Vieira, e, para finalizar, a poesia de José Tolentino Mendonça que, de tanto publicar e gerar consensos, é talvez o poeta português mais lido e elogiado na nossa ranhosa e babosa República das Letras. JAE.

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