Opinião | 02-06-2022 17:59

Tony das festas é um político de fachada em Alcoentre

Tony das festas é um político de fachada em Alcoentre

À margem – Opinião. Presidente de junta é visado no caso de despejo de 16 pessoas dos bairros de estabelecimentos prisionais de Alcoentre e Vale Judeus mas recusou-se a falar do assunto.

O presidente da Junta de Freguesia de Alcoentre, Francisco Morgado, é um dos moradores destes bairros que tem 90 dias para abandonar a habitação onde vive com a sua família desde os tempos em que trabalhou para as prisões e se reformou. Mas o estado de nervos ou revolta com esta situação não se assemelha, aparentemente, ao dos restantes moradores em vias de serem despejados. Quando contactado por O MIRANTE sobre o assunto, Francisco Morgado, mais conhecido por “Tony das Festas”, escusou-se a fazer comentários. Nem enquanto morador visado nem como autarca – função para a qual foi eleito – foi capaz de soltar uma palavra de preocupação para com o futuro daqueles que se arriscam a ficar sem um tecto para viver. “Não dou entrevistas, não falo com jornalistas, nunca falei”, disse apenas.
Durante a reportagem de O MIRANTE naqueles bairros o desalento para com a conduta do presidente de junta foi tema de conversa. Entre o muito que foi dito, um dos sentimentos que fica é de que os seus vizinhos só importaram durante a campanha eleitoral para “pedir o voto”. Ao que parece o “Tony” é um daqueles políticos de fachada que vai a tudo que é festa e festarola, mas que na hora do aperto – quando é preciso agir, reivindicar, tomar partido – vira costas a quem devia representar.
Joana Gradíssimo

Famílias de Alcoentre despejadas dos bairros degradados do Estado

No dia em que recebeu a carta as lágrimas vieram-lhe aos olhos. Júlia Santos percorreu as pequenas divisões onde viveu durante 38 anos com o marido, ex-funcionário do Estabelecimento Prisional de Alcoentre a pensar para onde se mudaria aos 80 anos e com 400 euros de pensão de viuvez. As “rendas são caras e em Alcoentre não há casas para arrendar”. E, se pagar uma renda, “o que vou comer e com que dinheiro vou à farmácia?”, questionou-se.
Júlia Santos foi uma das 16 residentes dos bairros dos estabelecimentos prisionais de Alcoentre e Vale Judeus, no concelho de Azambuja, a receber uma notificação da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) para em 90 dias deixar a casa sob pena de instauração de um procedimento de despejo, caso não cumpra o prazo. “Ainda estamos a tentar perceber o que se passou, o porquê de nos quererem tirar daqui agora e que solução vamos dar às nossas vidas”, disse a moradora, frisando que “até compreendia se as casas fizessem falta a quem está ao serviço”.
A DGRSP, em resposta a O MIRANTE, refere que estas missivas resultam da “necessidade de normalização e racionalização da utilização destas casas de função” e que na sequência de uma avaliação foram identificados “diferentes casos de irregularidades, estando a proceder-se, nos termos da Lei, no sentido da sua regularização”.
Nestes bairros, que têm mais de duas centenas de habitações e são propriedade do Estado, moram actualmente 10 funcionários dos dois estabelecimentos prisionais sediados no concelho de Azambuja. À excepção das casas habitadas, as restantes estão devolutas há décadas e em avançado estado de degradação, com os telhados caídos, janelas e portas partidas. “Está tudo abandonado e destruído. É para as nossas casas terem o mesmo fim que nos querem tirar daqui para fora?”, atira em tom de revolta, Luís Pinheiro, sentado numa cadeira de plástico no quintal da casa número 21 do Largo do Outeiro, onde mora há 27 anos. “Agora sozinho desde que a minha mulher morreu, aqui dentro, nesta casa”, diz.
Reformado desde 2009, o antigo guarda prisional de 70 anos conta a O MIRANTE que depois de ter deixado funções questionou a DGRSP sobre a possibilidade de permanecer naquela casa pagando uma “renda actualizada e compatível” com os seus rendimentos. “De lá nunca tive resposta, já os meus superiores disseram-me para me deixar estar porque o Estado não tinha dinheiro para recuperar as casas”. Ao longo dos anos, e à semelhança dos restantes funcionários reformados, Luís Pinheiro foi fazendo obras na habitação. Substituiu portas, janelas, aplicou um novo piso e pintou-a, várias vezes. “Se não fosse eu esta também estava no chão, mas como a arranjei e está pronta a habitar, agora vou para a rua”.
Passar o resto da sua vida na rua, “como um sem-abrigo”, é o desfecho que vislumbra daqui a dois meses e meio. Sem familiares a quem recorrer, Luís Pinheiro, reforça que a freguesia de Alcoentre não tem casas para arrendar e que comprar está fora do seu alcance. “Até posso ter algum dinheiro de parte, mas não chega para comprar uma casa. Que banco é que me vai dar um empréstimo com esta idade e sem saúde?”, pergunta, acrescentando que quando o despejarem o mobiliário e o próprio ficam “estendidos à porta”.

Direcção Geral de Serviços Prisionais admite ponderar realojamentos
Pode dizer-se que Manuel Marques é o rosto do desespero desta situação. De olhar cabisbaixo e embaciado de lágrimas, coça a cabeça com ar confuso enquanto tenta responder ao que lhe é perguntado. “Como me sinto? Magoado, é só. Não consigo dizer mais nada”. Aos 78 anos, tal como a maioria dos moradores afectados por esta decisão, diz não ter solução de habitação própria. “Tenho que ir dormir a casa dos filhos”, diz, lamentando que tenha investido o seu dinheiro para recuperar uma casa onde vive com a esposa, de 77 anos, há mais de quatro décadas, para agora, “no fim da vida”, lhe ser retirada.
Questionada pelo nosso jornal sobre se vai acautelar que nenhum dos moradores em situação de carência económica e sem familiares para os acolher vai ficar sem um tecto onde viver, a DGRSP refere que foram “identificadas situações de grande sensibilidade social e humana que reclamam especial protecção”. A seu tempo, acrescenta a mesma entidade, esses casos serão objecto de “ponderação e eventual inserção em programas públicos de apoio social e realojamento”.
Esta não é a primeira vez que estes moradores, que pagam uma renda de valor simbólico pelas moradias (cerca de 20 euros), são avisados para pôr as malas à porta. “Já em 2013 queriam pôr-nos daqui para fora”, diz Júlia Santos, recordando que também nessa altura o caso foi objecto de notícia em O MIRANTE. Depois de terem enviado uma carta a apelar que os deixassem ficar, tal como fizeram agora, tudo se resolveu pelo melhor. “Mas agora dizem-nos que é mais sério e que vamos ter mesmo que sair”, conclui.

Câmara de Azambuja anda há anos de olho nos bairros

O município de Azambuja anda há mais de cinco anos a negociar com a DGRSP – Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana e Ministério das Infraestruturas e Habitação – a possibilidade de cedência das casas devolutas daqueles bairros. A estratégia, como foi explicado recentemente pelo vice-presidente, António Matos, em reunião do executivo, consistiria na requalificação das habitações para que posteriormente pudessem ser disponibilizadas à população em geral através de um programa de arrendamento acessível e apoiado.
O presidente do município, Silvino Lúcio, confirma que as negociações se mantêm, mas não considera que estes desejos estejam relacionados com esta pretensão da autarquia que visa melhorar a sua Estratégia Local de Habitação. “Penso que são processos independentes, até porque volta não volta há estas intenções”, vinca.
Questionado por O MIRANTE sobre se o município que lidera tem alternativas para os moradores, Silvino Lúcio adiantou que os serviços de Acção Social vão identificar as pessoas em situação de carência. No entanto, avisou desde logo que “o bairro social está a rebentar pelas costuras” e que não tem, de momento, fogos disponíveis.

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