Opinião | 23-06-2022 06:59

Um elogio ao poeta João Rui de Sousa

JAE

Morreu João Rui de Sousa, um dos poetas mais importantes da poesia portuguesa das últimas gerações, um ensaísta de excepção e um amigo que publicou em O MIRANTE um dos seus melhores livros de poesia, “Obstinação do Corpo”.

Estava em cima de um telhado quando o telefone tocou a anunciar a morte de um amigo, poeta daqueles que nunca usam o termo da boca para fora se não for a falar dos outros. João Rui de Sousa morreu no passado sábado enquanto eu fazia aquilo que ele mais apreciava, que era sujar as mãos de terra e depois lavá-las na água corrente do rio. Era isso que tinha acabado de fazer horas antes de subir ao telhado para fazer as limpezas de Verão nas árvores do vizinho que caem para cima de um dos meus telhados e as folhas entopem os algerozes.
Quando liguei de volta, uma vez que não é fácil atender um telemóvel ao primeiro toque em cimo de um telhado, tinha uma voz conhecida lá do outro lado a avisar-me que o corpo morto de João Rui de Sousa ia dar entrada no outro dia numa igreja de Lisboa, onde seria velado até ao dia seguinte. Liguei a um dos seus filhos e ele confirmou com uma voz triste e pesarosa.
Desci o telhado e fui escrever uma notícia. O Fábio foi ao arquivo do jornal e encontrou uma foto que não resisti a publicar; João Rui veio ao meu encontro várias vezes a Santarém mas naquele dia estávamos com o Luís de Miranda Rocha e o Pedro da Silveira, o escritor que me deu a oportunidade de conhecer o homem com o pior génio do mundo; no entanto era amigo do João Rui de Sousa, que era a melhor pessoa do mundo e, regra geral, não mostrava o seu mau gênio embora também o tivesse.
Não me lembrava da foto, e no entanto lembro-me de ouvir João Rui de Sousa à beira Tejo, quase por baixo da Ponte D. Luís, a mergulhar as mãos na água corrente dizendo que a poesia muitas vezes está mais nos pequenos gestos do que nos inspirados versos dos poetas. Não juro que a frase tenha sido exatamente assim: o que sei é que ele me fez um elogio que na altura me encheu a alma. João Rui de Sousa era um poeta premiado, admirado, justamente reconhecido pelos seus pares como um dos maiores e melhores poetas portugueses. O facto de sermos amigos jogava sempre a meu favor. Era eu que aprendia sempre no convívio com ele. João Rui de Sousa era de poucos sorrisos mas era um poeta e um homem que não pedia licença para ser verdadeiro, bom conversador mas de poucas palavras; sempre ia directo ao assunto como só ele sabia, pouco de elogios e muito de abanar a cabeça como quem diz “é isso mesmo”.
Nasci quando ele tinha 27 anos e fundou uma revista literária que lhe havia de dar fama e proveito. Quando nos conhecemos a diferença de idades era menos visível. Editamos em O MIRANTE, em 1996, um dos seus melhores livros e talvez o mais inspirado chamado Obstinação do Corpo. É um livro que entretanto teve continuidade, mas por culpa minha já não foi O MIRANTE que editou. Foi graças a ele que o Pedro da Silveira organizou, também para a colecção de poesia Alma Nova de O MIRANTE, uma antologia do Valadares Gamboa e do Guilherme de Azevedo. Luís de Miranda Rocha era também um amigo dos velhos tempos do “Diário de Lisboa”, onde trabalhou até o jornal fechar. Carrancundo, homem pesado no verdadeiro sentido da palavra, mas um jornalista cultural dos velhos tempos. Nesta foto podia estar também o António Ramos Rosa ou o José do Carmo Francisco que, na altura, também participaram na Alma Nova ou foram testemunhas da partilha e da amizade que a colecção gerou entre muitos de nós. Quanto mais velhos ficamos mais dificuldade temos em fazer amigos; perdê-los, como foi o caso de João Rui de Sousa, é que o custa mais. JAE.

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