Saúde | 29-05-2020 12:30

A pandemia do vírus, da incompetência, do pânico e da crise económica e social

A pandemia do vírus, da incompetência, do pânico e da crise económica e social
OPINIÃO

Maria Manuela Estevão*

Porque é que o confinamento da aldeia mais recôndita ou desertificada teve de ser igual ao das cidades com maior densidade populacional? Na verdade, todos os políticos falam em descentralização, mas quando chega a hora da verdade tudo é gerido a partir do Terreiro do Paço.

Vou escrever sobre o assunto do momento de forma muito pragmática e sem sentimentalismos ou estados de alma, porque desde que nos mandaram confinar até ao desconfinamento houve muita desinformação e muita falta de conhecimento e de rigor científico nas notícias quase sempre contraditórias que foram “sufocando” e amedrontando os portugueses através dos media.


Os “briefings” que entraram pela casa dos portugueses muito mais vezes que o desejado, e desinformaram a opinião pública da real virulência do vírus, assim como das formas de protecção a fim de evitar a contaminação, foi deveras deprimente e pôs muitos portugueses à beira de um ataque de nervos.


Uma parte significativa das pessoas que visitei, no apoio domiciliário de acesso ao medicamento, estavam completamente aterrorizadas e perdidas com tanta e tão má informação.


Não havia necessidade, tudo poderia e deveria ter sido muito diferente se, em vez de entregarem a condução da gestão da pandemia a pessoas com cargos políticos, a tivessem entregue a especialistas, nomeadamente virologistas que felizmente temos muitos e muito bons. Teriam conduzido todo o processo sem dramatismos e com aconselhamentos básicos, fundamentais num estado de pandemia.


Aconselho-vos a ouvir o Pedro Simas, virologista e investigador do Instituto de Medicina Molecular, que estuda os mecanismos de doença viral e a relação entre os vírus e os seus hospedeiros. Estou certa que depois de o ouvirem, ficarão com uma ideia bem diferente do que têm vindo a ouvir através dos media e acalmarão a vossa ansiedade e alguns até o pânico.


Recordo-vos que, num curto espaço de tempo, tivemos informações tão contraditórias como: O vírus não chegará à Europa; afinal o vírus chegou; não é preciso fechar fronteiras; vamos fechar fronteiras; não é aconselhável o uso de máscara; afinal vamos todos usar máscara; vamos todos ficar em casa; agora vamos todos sair, enfim, tudo ao sabor de estados de alma, de muita irresponsabilidade e até alguma ignorância, tudo acompanhado com imagens de governantes que se foram auto-promovendo à custa do confinamento obrigatório dos portugueses.


Acho que tudo teria sido bem diferente se o processo tivesse sido descentralizado e orientado pelos autarcas de cada distrito em colaboração com a Protecção Civil e as entidades da saúde. As decisões de cada distrito seriam articuladas e supervisionadas por uma equipa multidisciplinar de profissionais de saúde pública, virologistas, psicólogos economistas, em colaboração com os ministérios da Saúde, Economia e Administração Interna.


Resultaria deste organograma uma orientação de baixo para cima e não uma imposição superior “cega” e transversal a todos os pontos do país, por mais díspares que sejam.
A necessidade do maior ou menor grau de confinamento é do conhecimento de quem está no terreno, neste caso dos autarcas. Os portugueses teriam gerido muito melhor os seus anseios e angústias com esta relação de proximidade ao Poder Local e o descalabro económico não seria o que iremos viver, porque há zonas do país onde tudo teria funcionado com “alguma normalidade”, respeitando obviamente as regras sanitárias básicas.


Porque é que o confinamento da aldeia mais recôndita ou desertificada teve de ser igual ao das cidades com maior densidade populacional ? Na verdade, todos os políticos falam em descentralização, mas quando chega a hora da verdade tudo é gerido a partir do Terreiro do Paço.


Depois de passada a fase aguda da pandemia, da depressão colectiva e do confinamento, e de um dia para o outro, quase que por magia, assistimos através dos media ao desfile exacerbado dos políticos que “supostamente governam” o país a perfilarem-se de restaurante em restaurante, numa verdadeira azáfama, como que a competir quem visita mais restaurantes no menor tempo possível, e a pedir aos portugueses para virem para a rua, porque finalmente perceberam que vamos ter a maior crise económica de que há memória e temos de passar rapidamente da fase depressiva à fase da euforia.


Enfim, tudo muito deprimente e muito mal explicado como o tinha sido na fase do confinamento. Os portugueses foram tratados como “ovelhas de um rebanho” onde o pastor dirige e comanda em função das necessidades e das conveniências com consequências graves para a nossa saúde mental. O bastonário da Ordem dos Médicos já apontou as questões de saúde mental como a maior ameaça que Portugal terá de enfrentar no futuro próximo. E os problemas económicos e sociais que estão por aí a chegar?


Como sabem já temos 400 mil desempregados, um milhão e 200 mil trabalhadores em lay-off, dos quais uma parte passarão para desempregados atendendo às fragilidades das empresas, muitos portugueses a recorrer a bancos alimentares, mais 60 mil desde que começou a pandemia, e muitas empresas cujo apoio tardou em chegar e/ou ainda não chegou e vivem dias de aflição. mInfelizmente o que vem por aí, e ainda que os políticos nos queiram fazer acreditar que vivemos no paraíso, não é nada animador.


Sugiro aos nossos governantes que deixem de vender ilusões, tratem este problema com a transparência, frontalidade e o pragmatismo necessários. A informação assertiva e sem demagogias será a melhor arma a fornecer aos portugueses no combate à crise que vem por aí.


Para terminar, peço-vos que tenham fé e muita esperança e não deixem de acreditar na nossa capacidade de resiliência, caso contrário entraremos em “pandemia de Saúde Mental”, tal é a brutalidade de um futuro que teima em não ser Futuro.

* Directora Técnica da Farmácia Batista em Santarém.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1660
    17-04-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1660
    17-04-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo