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O último cesto da dona Silvina

O último cesto da dona Silvina

Última artesã de cestos de Samora Correia

A última cesteira de Samora Correia, que trabalhou na arte durante 50 anos, acabou a sua nobre missão. Para trás ficou uma tarefa árdua, pouco rentável, mas com algum reconhecimento.

Chama-se Silvina Santos e tem 79 anos. A última artesã de Samora Correia a fazer cestos em vime reformou-se recentemente. Os artesãos estão a desaparecer aos poucos. “O trabalho é sempre mal remunerado e não dá para viver”, diz a artesã. A dona Silvina, como é conhecida na terra onde mora há 62 anos, viveu toda a sua vida a fazer cestos. Foram milhares ao longo de 50 anos de labor. Há alguns anos começou a reduzir o trabalho, até que acabou com a arte. Começou a ter muitos problemas nos ossos das mãos, nas pernas e na vista.Como viver apenas da venda de cestos não dava para comer, a artesã teve de trabalhar também no campo. Começou aos sete anos ao lado dos pais. Quando atingiu a idade adulta, aprendeu com uma vizinha a fazer cestos com junco. Ao princípio tudo parecia difícil, mas Silvina Santos era desembaraçada e, rapidamente, descobriu a arte de trabalhar o vime no tear. Normalmente, trabalhava no campo durante o Verão e fazia cestos no Inverno. Conta que inicialmente chegava a vender cestos a cinco escudos cada. “Se tivermos em conta que se chegava a levar um dia de trabalho para fazer um cesto grande, imagine-se o que se ganhava nessa época”, desabafou a artesã.Ao longo de meio século de trabalho, muitas foram as pessoas que a procuraram para aprender esta arte. Além da filha que trabalhou ao seu lado durante quase vinte anos, Silvina orgulha-se de ter tido também a neta interessada em aprender. Mas ambas acabaram por desistir deste ofício, porque ganha-se pouco e trabalha-se muito. A artesã diz ter “pena de não ter ninguém na família a seguir-lhe os passos, mas compreende”. Muitas outras pessoas de Samora Correia e localidades vizinhas também a procuraram. Passavam horas a observá-la e muitas chegaram ainda a fazer cestos. No entanto, todas desistiram pelos mesmos motivos.Silvina Santos é conhecida um pouco por todo lado. Além de ter participado em diversas exposições de artesanato, chegou a ser convidada para ir ao famoso programa da RTP “Zip-Zip”. Pelos locais por onde expôs, encontrou sempre muita gente interessada no trabalho que desenvolvia no tear. “Faziam muitas perguntas”. Conta que “havia pessoas que passavam horas a apreciar como se construíam os cestos”. A técnica é sempre a mesma. Começa-se por se fazer a bainha, seguem-se os lados, cose-se tudo e finalmente são colocadas as asas. Normalmente, são quase sempre utilizadas vergas de diversas cores para se fazerem desenhos nos cestos. Ao longo de todos estes anos de trabalho, o seu braço direito foi o marido. Além da ajuda pontual que lhe dava, era responsável por ir nos meses de Julho e Agosto – a melhor altura do ano - aos campos das Silveiras (Samora Correia) apanhar o junco. Mas, como a matéria-prima recolhida não chegava para as encomendas, tinham de comprar centenas de molhos. Chegavam a encomendar duas camionetas. Depois tudo era armazenado em casa. A quantidade de junco pode parecer muita aos olhos dos leigos, mas “neste trabalho há muito desperdício e temos de comprar grandes quantidades para conseguir aproveitar o melhor”, adianta. As lágrimas vieram-lhe aos olhos quando deu por concluída a sua nobre missão de trabalhar no tear. Instalado na sua garagem - o seu atelier de trabalho durante décadas -, o tear acabou por ser retirado. Ocupava muito espaço e já não servia para nada. Como recordação, guarda em sua casa um dos milhares de cestos que fez ao longo da vida. Curiosamente, ainda não está totalmente acabado. Falta pôr as asas. Trabalho que conta ainda fazer. Depois, será então o ponto final de uma missão que abraçou por necessidade, mas também por amor. Mário Gonçalves
O último cesto da dona Silvina

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