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Quando a polícia aplicava castigos

Quando a polícia aplicava castigos

Pequenos delitos eram resolvidos com multas, repreensões e tabefes

Uma multa, um par de estalos, uma advertência. Era esta a forma de a polícia resolver pequenos conflitos do quotidiano poupando trabalho aos tribunais. E não foi há tanto tempo como isso. O Código Penal de 1886 vigorou até 1982.

Década de 70. Um homem de 25 anos apresenta queixa na esquadra de Santarém contra uma mulher dois anos mais nova com quem viveu maritalmente durante três anos. Diz que a ex-companheira o insultou e o difamou publicamente chamando-lhe “paneleiro” e dizendo que “tinha a coisa pequena” e que por isso não fora capaz de a engravidar. O encarregado da secção de justiça da PSP ouviu as partes em litígio, procedeu a uma investigação e o queixoso passou a culpado. Provou-se que andava a exibir junto de amigos tufos de pelos púbicos da antiga companheira e acabou “autuado nos termos do artigo 1º do Regulamento Policial do Distrito, tendo pago a respectiva multa voluntariamente”. No auto pode ainda ler-se que também “foi repreendido”.Este é dos muitos casos que fazem parte dos arquivos do comando distrital da PSP de Santarém e que mostra como era aplicada a justiça. Era um tempo em que a polícia tinha poderes para “corrigir” o comportamento dos larápios e “advertir” os autores de injúrias ou de outros pequenos delitos. Segundo um auto de transgressão de 1978, as multas podiam ultrapassar os 600 escudos (cerca de três euros). Uma pequena fortuna na época. Há por exemplo o caso de um montador electricista de profissão, com 21 anos, que “intrometeu-se” directamente com outro. O que quer dizer que o injuriou. O chefe da esquadra recorreu ao regulamento policial para lhe aplicar uma multa inicial de 400 escudos, acrescida de mais 100 para o Estado, 40 para o instituto de Socorros a Náufragos e mais 100 escudos para entregar a um albergue do distrito. Nos autos, para além da aplicação de multas, não se refere que outro tipo de correcção é feita. Mas o sub-comissário Vítor Catulo, do comando de Santarém da polícia, admite que nas situações mais difíceis uma bofetada punha os mais agitados na ordem. O operacional, que também chefia a secção de ética e deontologia da PSP distrital, ressalva que os métodos eram próprios de um Estado policial. Nesses tempos vigorava um código penal de 1886 e com base num decreto-lei de 1945 admitia-se a figura do “inquérito preliminar”, que mais não era que ouvir as partes em conflito, na sequência de casos como desordens e problemas de vizinhança. As situações nem chegavam a tribunal e eram resolvidas pelo chefe da esquadra que era uma espécie de “provedor de justiça” a nível local. Com a entrada em vigor de um novo código penal em 1982 a actuação policial é adequada à evolução e crescimento social e ao aparecimento de novos crimes. Todas as situações resultantes de queixa passaram a ser controladas pelos tribunais. Segundo Vítor Catulo há um quarto de século a polícia tinha um papel regulador da sociedade e conseguia controlar os delitos que iam aparecendo. As esquadras funcionavam como tribunais arbitrais. Numa altura em que quando se apanhava na cidade de Santarém uma pessoa com um charro (cigarro de liamba) o caso era notícia de primeira página nos jornais. Hoje a PSP tem a seu modo de actuação definido, com regras para que não se colida com a liberdade e garantias dos cidadãos. Para que não haja excessos. Actualmente as pessoas só podem ser levadas para a esquadra para identificação em casos específicos ou quando há fortes indícios de delito.
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