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Má sorte ter nascido mulher

Ana d’Azambuja foi afastada do toureio a pé pelos seus pares

Há cerca de 40 anos uma jovem de Azambuja era apontada como a grande revelação do toureio a pé. Foi a única mulher em Portugal a obter a carteira profissional, mas a sua carreira durou apenas dois anos. Ana d’Azambuja foi pressionada a abandonar um mundo onde há apenas lugar para os homens.

Nas traseiras da casa de Ana Maria Lourenço, 53 anos, na pequena localidade de Virtudes, Aveiras de Baixo (Azambuja), ergue-se uma tertúlia tipicamente portuguesa. É lá que a única mulher que alguma vez conquistou a carteira profissional na arte do toureiro a pé aceita falar sobre a sua carreira.No interior da tertúlia que há mais de um ano o marido, também aficcionado, está a criar em sua homenagem sente-se o espírito da festa brava que durante anos empolgou a toureira. O traje de luzes, o capote e a muleta que a acompanharam em muitas lides e até a imagem de Virgem de Marcarena, santa devota dos toureiros, a quem rezava sempre antes de ir para a praça, preenchem a sala.Passaram quase quarenta anos, mas Ana d’Azambuja, nome artístico da toureira, ainda domina os passes de peito e de muleta, os recortes e molinetes. A mágoa de uma curta carreira, que durou pouco mais de dois anos e que terminou depois de muitas pressões de um meio proibido a mulheres, ainda se sente no olhar de Ana Maria.“Conhece a Cristina Sanches? Uma mulher matadora de toiros em Espanha que tinha todas as condições para ser uma grande toureira? Ela desistiu há menos tempo que eu e pelas mesmas razões. Para as mulheres o mundo dos toiros é um objectivo quase impossível”, revela.Ana Maria confessa que ainda hoje não percebe a relutância de alguns homens do meio em aceitar uma mulher na arena. Se hoje ainda há alguns entraves na entrada das mulheres no meio, há quatro décadas a situação era muito mais dramática. “O mundo dos toiros é complexo e difícil, mesmo para os homens, ainda mais para as mulheres!”.Em 1968, altura em que Ana Maria entrou na actividade do toureio, empresários e toureiros preparavam autênticas armadilhas às mulheres que se aventuravam na arte. Recusavam-se a participar nas mesmas corridas e chegavam ao ponto de armar ciladas, lançando na arena toiros já mexidos (já lidados) e colocando em perigo a vida de quem toureava. “E se a mulher mostrava que tinha valor era ainda mais difícil”, garante.Ana Maria acredita que a forma como o público a acarinhava incomodava os seus pares, que sentiam o prestígio roubado por uma mulher. Apesar dos entraves que já pressentia ao longo do seu percurso entregou-se de corpo e alma à arte. Percorreu várias praças do país na companhia de sua mãe e do seu apoderado. A presença de um familiar nos bastidores das corridas era condição para que a jovem de 15 anos pudesse integrar os cartéis. A sua mãe assistia de perto às exibições da filha, consumindo-se entre a assistência. Quando as coisas não corriam bem os seus gritos eram os primeiros a ouvir-se. O pai importava-se com o desempenho da filha e não tolerava uma falha na arena.António Salema, seu professor e apoderado, foi uma das pessoas que acreditou incondicionalmente na toureira. Ensinou-a e conduziu-a até ao limite possível da sua carreira. Na última corrida no Montijo, momento em que o mestre a aconselhou a abandonar o toureio, Ana Maria foi colhida e quase perdeu a vida depois de ter sido vítima de uma troca propositada de toiros (ver caixa). António Salema, um apaixonado pela festa brava, para quem o talento se sobrepõe ao sexo, lamenta a época em que Ana Maria apareceu nas lides. “Teve o azar grande de ser mulher e de aparecer no mundo dos toiros em 1968”.Ana Santiago

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