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As histórias de “Zé Brasileiro Português de Braga”

As histórias de “Zé Brasileiro Português de Braga”

José Ramoa viveu no Rio de Janeiro e em Lisboa antes de se fixar em Constância

José Ramoa é minhoto e nem a passagem de alguns anos pelo Brasil lhe diluiu o sotaque, que não engana. Frequentador de tertúlias, amigo de algumas das figuras maiores da cultura portuguesa contemporânea, decidiu assentar arraiais em Constância em 1980. A casa apalaçada que comprou é um autêntico museu dedicado às artes e acolhe todo o espólio deixado pelo poeta e actor Vasco de Lima Couto, que lhe dedicou o poema que ficaria célebre na voz de Alexandra: “Zé Brasileiro Português de Braga”.

Como é que o “Zé Brasileiro português de Braga” celebrizado pela voz de Alexandra vem parar a Constância? Comprei esta casa em 1976. Não conhecia a vila. Soube que os antigos proprietários da casa queriam vendê-la e vim vê-la. Acabei por a comprar à família do pintor José Campas. De 1976 até 1980 só vinha cá ao fim de semana. Depois vendi a loja de antiguidades que tinha em Lisboa e fixei-me aqui em Constância. O que o atraiu nesta terra em particular? Nunca gostei de muita confusão. Vivi no Rio de Janeiro de 1961 a 1969 e regressei a Lisboa, onde vivi até 1980. O Rio de Janeiro era uma cidade com muita confusão? Sim. E Lisboa também, embora em muito menor escala. E Constância não é demasiado parada para quem viveu em grandes metrópoles? Não. É realmente como eu gosto. Essa letra de uma canção famosa da década de 70 é uma breve biografia da sua vida? Sim. Foi um poema que Vasco de Lima Couto fez para me oferecer no meu aniversário em 1969. O poema foi dado ao António Sala para musicar, para fazer um pequeno disco para me oferecer nos meus anos. O António Sala fez a música e inseriu-a para concorrer no Festival da Canção. Como é que se sentia quando ouvia essa música na rádio? Muito bem. Ainda hoje gosto muito de a ouvir. É um espelho da minha vida no Brasil de 1961 a 1969. Como é que um cidadão anónimo surge como inspirador de um poeta como Vasco Lima Couto? Quando me instalei em Lisboa conheci várias personalidades. Comecei por conhecer o pintor Francisco Relógio, um dos grandes pintores portugueses. Depois, através dele, conheci o Vasco de Lima Couto, o Mário Cesariny, o Artur Bual, o Martins Correia e outras personalidades em tertúlias culturais que fazíamos duas ou três vezes por semana. Umas vezes em casa do Vasco, outras nos ateliês do Artur Bual ou do Martins Correia. Muitas vezes também reuníamos em casa do maestro Jorge Machado e da Verónica. Essa ligação ao meio artístico começou no Rio de Janeiro? Sim. Tive amizade com várias personalidades no Rio de Janeiro, como Roberto Burle Marx, Óscar Niemeyer ou Lúcio Costa, arquitectos que construíram Brasília. No Brasil já frequentava esse meio. É uma pessoa com aptidão para as artes ou era mais um negociante? Tenho alguma aptidão para as artes. Também pinto e escrevo. Essas vocações já as levou aqui de Portugal ou na sua Braga natal tinha uma vida completamente diferente? Tinha uma vida completamente diferente. Nasci numa família muito modesta ligada à agricultura. Somos 19 irmãos. O meu pai, não sei porquê, cismou que nenhum dos filhos ia servir o Exército. Quando chegava essa altura, o meu pai mandava-nos para o Brasil, onde já tínhamos família. Percebi depois que era da oposição ao regime. Foi no Brasil que fez fortuna para ter uma vida desafogada? Foi aí que comecei a desenvolver a minha capacidade como antiquário, como decorador, como negociador de arte. Decorei a casa do dr. Ivo Pitanguy, um dos grandes cirurgiões plásticos brasileiros, decorei a casa do ministro Roberto Campos… Deixou de exercer essa actividade quando regressou a Portugal? Sim. Não estou muito virado para isso. Preciso mais de descanso. É através dessas tertúlias e amizades que se dá a ligação de Vasco de Lima Couto a Constância. Sim. O Vasco vinha para cá comigo ao fim de semana desde que comprei esta casa em 1976. Arranjei um espaço para ele e começou a trazer as suas coisas, a biblioteca e isso tudo. Quando ele faleceu decidi transformar esses aposentos num museu. Ele legou-lhe esse espólio? Sim. Ficou todo para a casa museu. A casa encontra-se disponível para visitas? Actualmente está a sofrer umas pequenas obras e espero que dentro em breve estejam concluídas, para a poder reabrir ao público. A casa é mais visitada por universidades, por escolas, para visitas de estudo. Tem uma boa biblioteca. Há cerca de 3 meses a Fundação Gulbenkian esteve aqui a fazer um estudo sobre o Sebastião da Gama, a recolher informação para incluir num livro que vai sair agora em Março. Vasco Lima Couto parece um pouco esquecido. Acho que não. Continua a ser muito estudado a nível universitário e a ser um poeta de primeira linha. Vive sozinho nesta casa apalaçada? Sozinho, com o cachorro e com nove gatos. É um ser solitário? Não. Nunca pensou em constituir família? Não. Mas não é preciso constituir família para não se ser solitário. Não sou nada solitário. Há várias reuniões aqui em casa. Vai cultivando o espírito de tertúlia sempre que pode? Sim. Aqui em Constância tem algumas pessoas para alimentar a partilha cultural? Aqui não tenho ninguém. A única pessoa é o escritor Ruy de Brito, que mora aqui mesmo ao lado. Nunca convidou outro vizinho famoso, o escritor Baptista-Bastos? Não. Dou-me bem com ele, mas não tenho uma relação muito próxima.
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