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Os traumas infligidos às crianças que são retiradas à força do seu ambiente familiar

Os traumas infligidos às crianças que são retiradas à força do seu ambiente familiar

GNR admite que missões como a ocorrida em Montalvo no fim de Novembro são “muito pesadas”

Regularmente há crianças retiradas às famílias para serem internadas em instituições. O objectivo é protegê-las de situações traumáticas mas não raras vezes soma-se mais um trauma aos já existentes devido ao recurso à força para as arrancar dos braços dos familiares.

Quarta-feira, 23 de Novembro, três e meia da tarde em Montalvo, concelho de Constância. Um militar da GNR e uma técnica da Segurança Social tentam levar uma criança para internar numa instituição, por ordem do tribunal. O tumulto é grande. O menino grita, esperneia e pede à avó, em casa de quem vive, para não deixar que o levem. Os vizinhos que assistem à cena contam que o recurso à força foi inevitável. Não é a primeira vez que elementos da GNR se vêm envolvidos em cenários do género envolvendo crianças que são retiradas à família. O traumatismo causado aos menores é enorme. As situações são perversas dado que a ordem de retirada das crianças é tomada com a justificação de as proteger de situações consideradas traumatizantes por Comissões de Protecção de Crianças e Jovens ou Tribunais. Em Foros de Salvaterra, concelho de Salvaterra de Magos, a 20 de Junho de 2008, três menores foram retirados de casa durante a madrugada, por elementos da GNR com cães. Ouvida por O MIRANTE, a psicóloga clínica Ana Santos é contra a retirada de uma criança do seu ambiente familiar mas se essa decisão for inevitável desaconselha vivamente as acções de força. “A retirada brusca do seio das famílias vai ter consequências negativas e traumáticas. O ideal será explicar antecipadamente o que se vai passar. As crianças e jovens querem perceber tudo o que se passa e mesmo que discordem é sempre melhor terem conhecimento de tudo do que serem apanhadas desprevenidas”, explica. Para as forças de segurança aquele tipo de missões é desconfortável. O tenente-coronel Joaquim Nunes, oficial responsável pelas relações públicas da GNR de Santarém, diz que há militares que têm formação específica para aquele tipo de casos mas que nem sempre estão disponíveis. “Essas são as missões mais complicadas que já tive que fazer e são as mais marcantes. São situações que envolvem cargas emocionais pesadas. A GNR é vista como a má da fita apesar de apenas estarmos a ajudar a cumprir ordens dos tribunais e a tentar fazê-lo da melhor maneira possível”, declara. Em Montalvo as crianças retiradas à avó eram duas. Se no caso da mais velha houve recurso à força, na escola do primeiro ciclo, que a mais nova frequenta, o alarido não foi tão grande. Ali recorreu-se à mentira. A desculpa foi uma ida a uma consulta no hospital. Uma situação que também irá deixar marcas, de acordo com a psicóloga clínica já citada. O representante da Câmara de Abrantes na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Abrantes e presidente daquele organismo, José Vítor, refere que sempre que sabem que as situações são pacíficas não pedem o apoio das autoridades policiais. O objectivo é fazer tudo da forma mais “discreta” possível para não provocar alarido e que as crianças “sofram o menos possível”. Nem sempre isso acontece como se constata pelos relatos que vão chegando a O MIRANTE. E na maior parte das vezes as entidades que solicitaram ajuda às forças policiais, desconhecem a forma como são cumpridas aquelas missões. Só por si, o trauma do afastamento é sempre prejudicial na opinião de Ana Santos. “Mesmo quando as crianças vivem num ambiente familiar hostil, o facto de irem viver para a instituição contra a sua vontade não é uma melhor solução. Perdem as referências das figuras parentais e na maior parte dos casos tornam-se revoltadas o que se reflecte em comportamentos desviantes onde o insucesso escolar é frequente. Quando assim acontece, ou têm a sorte de se cruzar com pessoas com capacidade para as reestruturarem psicologicamente ou são futuros adultos revoltados que carecem de acompanhamento incisivo ao longo da vida”, conclui a psicóloga clínica.Marília Batista a mãe de Foros de Salvaterra a quem foram retirados os filhos durante um ano e oito meses, sente diariamente esse problema. Uma das crianças nunca recuperou do afastamento da família que lhe foi imposto aos seis anos de idade. “Ele era sossegado, meiguinho e apegado aos pais. No Centro de Acolhimento começou a dar problemas. Revoltava-se por estar preso, como dizia. Quando voltou para casa melhorou um bocadinho mas não é a mesma criança. Tornou-se muito rebelde, responde mal aos professores e perdeu o gosto por estudar”, conta.
Os traumas infligidos às crianças que são retiradas à força do seu ambiente familiar

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