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“Nas horas vagas fui sempre um palerma que só soube trabalhar”
André Neves Dias está à frente da empresa com o seu nome há perto de quatro décadas

“Nas horas vagas fui sempre um palerma que só soube trabalhar”

Aos 81 anos, André Neves Dias, proprietário da empresa de materiais de construção André Neves Dias & Filhos, em Almeirim, ainda aguenta dias de trabalho de nove horas. Carregar entulho ou fazer entregas de areia ou cimento não o assustam. Pior é estar parado nestes tempos de incerteza. “Se tudo mexer tudo vive” é o seu lema de vida.

Na escola, em Almeirim, os colegas que me viram entrar na segunda classe acharam que tive o privilégio de não fazer a primeira classe e tiveram ciúmes. A minha família é do concelho de Alvaiázere, de uma aldeia perto de Ansião, a Gramatinha. Nasci lá e vim para Almeirim com sete anos, com a primeira classe já feita.
Estive mobilizado para ir para Moçambique, mas acabei por não ir. Casei entretanto, sem nunca ter namorado porque os meus sogros não aceitaram a relação. Nem sequer foram ao casamento. Fui um dos elementos fundadores do Rancho de Almeirim, tal como a minha mulher, mas na altura não dançávamos como par. Os pais dela, principalmente a mãe, não simpatizavam comigo e acabei por sair, para que ela pudesse continuar no grupo.
Depois de 16 anos a trabalhar para outros o meu pai investiu num negócio próprio. Criou a Grésdias, junto ao cemitério. Quando morreu fui eu e o meu irmão que demos continuidade ao negócio. Estive lá cerca de 20 anos, deixei o meu irmão em 1980. Só dois ou três anos depois comprei este terreno [na zona industrial] e iniciei a André Neves Dias & Filhos, Lda. O meu irmão continuou com a Grésdias, ficou com a área das loiças sanitárias, azulejos, etc…, e eu fiquei com os materiais brutos, ferros, areias, cimentos. Assim divididos não fazemos concorrência um ao outro.
Durante dois anos dormi em Alhandra dentro do camião, cinco noites por semana. No início dos anos 80 havia falta de cimento. Um amigo arranjou-me um plafond de 300 sacos de cimento por dia, mas tinha que lá estar à hora certa para os carregar. Nessa altura era um privilégio. Tinha mais cimento sozinho por dia do que tinha o distrito de Santarém todo. Ia para lá depois de um dia de trabalho a acartar tijolo, areia, pedra e telhas para o armazém. Quando regressava fazia o dia de trabalho normal. Foi um esforço que nunca foi recompensado. Em 1980 tínhamos 17 empregados. Saí por divergências com o meu irmão.
Nas horas vagas fui sempre um palerma que só soube trabalhar. Quando o meu sogro morreu a minha mulher herdou alguns terrenos com vinha. Amanhei-a durante alguns anos e fiz-me sócio da Adega Cooperativa de Almeirim. Fui presidente da assembleia geral durante 15 anos. Na vida associativa pertenci também à direcção do União de Almeirim.
A pandemia apanhou todos os negócios em geral. Aqui tivemos uma quebra de 30 a 40% do negócio. Temos continuado a trabalhar. Também temos máquinas retroescavadoras e agora andamos a fazer uma demolição ao pé dos bombeiros. Sou eu, com 81 anos, que ando a acartar entulho, nove horas por dia, a semana inteira. Apesar de haver trabalho tenho passado mais tempo em casa e na horta. Além das árvores de fruto tenho couves, alfaces e tomates.
Durante anos tive um grupo de amigos que se juntava para jogar snooker no café Império. Fazíamos campeonatos e tudo. Já quase todos morreram. Sempre por causa do tabaco. Fumavam muito e chegámos a discutir por isso. Acabei por comprar uma mesa de snooker, que agora está na casa da minha filha, onde jogo de vez em quando com os meus netos.
A melhor notícia que podia ler nos jornais amanhã era que a pandemia tinha acabado. Vivemos tempos difíceis de incerteza. Se tudo mexer tudo vive. Parados temos mais dificuldade em viver.

“Nas horas vagas fui sempre um palerma que só soube trabalhar”

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