uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
“Felizmente temos muito sol e só não o aproveitamos se formos parvos”
António Júlio Silva é o único médico da família e cedo percebeu que gostava mais de ciências que de letras

“Felizmente temos muito sol e só não o aproveitamos se formos parvos”

António Júlio Silva, 68 anos, coordenador de ortopedia no Hospital CUF e proprietário de clínicas de reabilitação em Santarém, Abrantes e Tomar

Por considerar inconcebível uma capital de distrito não ter um hospital privado, criou, com dois colegas médicos, a primeira unidade hospitalar privada de Santarém. Ao reparar que não havia resposta para os doentes em processo de reabilitação arregaçou mangas e fez nascer três clínicas especializadas nas principais cidades do distrito. António Júlio Silva é médico ortopedista, mas a sua coluna dorsal é a de um empresário que gosta de caça, de ler e de viajar e não recusa um desafio.

Sou natural de Mação mas estou em Santarém há 40 anos. Já sou mais de Santarém que da minha terra natal, mas regresso às origens com regularidade. Nasci em Aldeia de Eiras. Somos quatro irmãos e, sempre que possível, voltamos à casa que herdámos dos nossos pais.
Não há mais nenhum médico na família. Durante o liceu sempre gostei mais de ciências que de letras. A determinada altura comecei a perceber que o que gostaria mesmo era de ser médico, mas numa especialidade em que tivesse que usar as mãos. Ser médico numa especialidade cirúrgica era o objectivo. Os meus irmãos seguiram todos ramos diferentes da engenharia: mecânico, agrónomo e zootécnico.
Formei-me em Lisboa, mas como rapaz da província detestava a capital. Nunca sonhei ficar por lá a viver e trabalhar. Quando terminei o curso optei por Santarém. Estava a ser construído o hospital distrital. O serviço de ortopedia do Hospital Distrital de Santarém (HDS) nasceu comigo. Colocaram-me esse desafio e aceitei. Vi aquele hospital crescer e atingir a sua plenitude há cerca de 15 anos. Entretanto, por motivos vários, perdeu o fulgor. Foi perdendo especialidades e profissionais. A gestão de um hospital não é só a gestão dos números, é preciso gerir as pessoas e conhecer os seus anseios. Isso falhou.
No HDS tentei fazer um serviço de ortopedia diferente, mas nunca tive o apoio da administração. Foi uma das razões que me fez sair, há cerca de 10 anos. Tinha atingido o topo da carreira, cheguei a chefe de serviço e queria fazer mais. Surgiu assim a ideia do Hospital Particular de Santarém. Era inconcebível uma capital de distrito sem um hospital privado. Quando decidimos arrancar com o projecto, em 2009, éramos 12 ou 13 médicos mas todos saíram, ficámos três: eu, Manuel Oliveira e Paulo Corceiro. Não tínhamos dinheiro e convidámos mais três accionistas exteriores ao hospital. Foi um investimento de 13 milhões de euros. Ao fim de três anos todos nos queriam comprar, acabámos por vender à CUF. Continuei a trabalhar lá, fui director clínico até 2018, hoje sou coordenador da especialidade de ortopedia.
Raramente prescrevo suplementos de vitamina D aos meus pacientes. É muito importante o exercício físico e uma alimentação saudável para manter os ossos saudáveis. Agora só comete erros quem quer, as pessoas estão muito bem informadas. Admito que um suplemento de vitamina D seja importante em determinadas zonas do planeta, como nos países nórdicos onde há poucas horas de sol, mas felizmente temos muito sol e só não o aproveitamos se formos parvos. Temos uma alimentação mediterrânica e não vejo razão para andarmos a fazer suplementos.
Senti que existia uma grande lacuna no processo de reabilitação dos doentes, operados e não operados. Para tratarmos de um doente temos que saber reabilitá-lo. Faço a minha parte como médico-cirurgião ortopedista, mas se não houver acompanhamento as coisas podem correr mal. Foi assim que, em conjunto com outros sócios, fundei três centros de reabilitação nas principais cidades do distrito: Santarém, Abrantes e Tomar. Foi obra.
Gosto de ler romances e livros de História e de caminhar no campo, mesmo que seja sozinho. Também aprecio a caça de salto. A caça é um desporto bonito quando é bem feito. Matar por matar não dá gozo nenhum. Os verdadeiros caçadores tratam bem a natureza. O ano passado estive em África durante duas semanas. Vi animais mas não cacei, isso já é outro nível, não é para mim.
Antes da pandemia aproveitava as viagens de trabalho para conhecer outros países. Mas a viagem a África foi apenas de lazer. Estive no Quénia e na Tanzânia. O ambiente de África é especial, dorme-se em sítios incríveis onde se ouvem os leões mesmo ali ao lado. Ver a migração dos gnus é uma coisa do outro mundo.
Santarém é uma cidade que podia ter outro tipo de desenvolvimento, pelo menos sob o ponto de vista cultural. Parou no tempo. Há gente muito boa na cidade e o seu potencial não é reconhecido ou valorizado, não são ouvidas. É uma cidade que viveu sempre com grupos e grupinhos e talvez não tenha tido os dirigentes à altura para a dinamizar. Para todos os efeitos eu e os meus colegas construímos um hospital. Foi uma coisa importante para a cidade e para a região, mas não houve qualquer apoio. Quem construiu hipermercados teve mais apoios em Santarém.

“Felizmente temos muito sol e só não o aproveitamos se formos parvos”

Mais Notícias

    A carregar...

    Capas

    Assine O MIRANTE e receba o Jornal em casa
    Clique para fazer o pedido