uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Perdeu mãe aos dois anos e quando pai morreu os padres não o deixaram ir ao funeral
Joaquim Ferreira perdeu a mãe aos dois anos de idade e conheceu o seu pai aos 11 anos que morreu dois anos depois

Perdeu mãe aos dois anos e quando pai morreu os padres não o deixaram ir ao funeral

O “Quim” da câmara, onde trabalha, e dos Tigres, o clube onde é roupeiro, só conhece a mãe através de uma fotografia que conseguiu arranjar. Foi criado na Casa do Gaiato onde teve uma educação severa, mas também onde encontrou as ferramentas para a vida. Foi expulso da casa por ter vendido umas botas de futebol. Depois foi expulso da casa dos tios por um dia ter levantado a voz. Só viu o pai duas vezes e nem sequer conseguiu ir ao seu funeral. Depois de muitas reviravoltas foi parar a casa de uma irmã em Almeirim, onde hoje é como um filho da terra.

A instituição era tão rígida que não o deixaram ir ao funeral do pai. A tia paterna e o marido, com quem viveu até aos seis anos, depois de ter ficado órfão de mãe, foram à Casa do Gaiato pedir para o levarem ao enterro, mas os padres foram intransigentes. Naquele dia chovia a potes, lembra-se bem. Tinha visto o progenitor pela segunda e última vez, dois anos antes, quando tinha 13 anos. Conheceu-o aos 11 anos. Pelo menos ficou com uma memória visual.

A mãe morreu tinha ele dois anos de idade. O que conhece dela é de uma fotografia que arranjou já em adulto num fotógrafo da zona de Avintes, onde nasceu. Joaquim Ferreira, funcionário nos serviços de higiene e limpeza da Câmara de Almeirim, teve uma vida difícil, mas não se o ouve queixar-se.

A mãe teve dez filhos. Três morreram à nascença. Quando foi para a Casa do Gaiato de Paço de Sousa, a 30 quilómetros do Porto e a 40 da terra onde nasceu, depois de frequentar a escola primária durante seis meses, em Oliveira do Douro, é que soube que tinha irmãos. Disseram-lhe na instituição fundada pelo padre Américo que ia entrar na casa um irmão dele. Acabou por saber que a mãe teve mais um filho depois dele. Com 59 anos sabe fazer de tudo, tratar da roupa, cozinhar ou fazer a encadernação de um livro. Isso aprendeu na sua passagem pela instituição e não se arrepende de ter lá estado apesar de reconhecer que o sistema era muito rígido para uma criança.

A NOITE PASSADA NA SECRETÁRIA DE UMA ESCOLA

O primeiro emprego surgiu aos 17 anos. A Casa do Gaiato arranjou-lhe um trabalho numa tipografia no Porto, perto da Torre dos Clérigos. Ficava em casa de uma tia durante a semana e ao fim-de-semana tinha que ir para a instituição. Mas aos oito, nove anos, já vendia jornais da Casa do Gaiato nas ruas do Porto e de Viana do Castelo. Foi o emprego que o levou a ser expulso da casa gerida pelos padres. Com o dinheiro que ganhou comprou umas chuteiras na Rua de Santa Catarina para jogar na equipa da instituição, que participava em jogos amigáveis. Calçava o 39 mas só havia o 38 e levou esse par de Adidas. Vendeu as botas a um colega e os padres vieram a saber. Um deles disse que tinha de sair da instituição por causa disso.

Joaquim, ou simplesmente Quim como é conhecido em Almeirim, onde é também roupeiro do Hóquei Clube “Os Tigres”, foi para casa dos tios onde tinha estado quando a mãe morreu. Esteve lá oito meses até ao dia em que esteve mais tempo na rua a conversar com vizinhos. O tio repreendeu-o com uma bofetada quando falou mais alto e mandou-o embora. Na altura tinha um ordenado equivalente hoje a 100 euros e dava 20 euros para as despesas mais cinco euros para ajudar nos medicamentos para o coração da tia. Nessa noite não tinha onde dormir e a solução que lhe apareceu foi partir a janela de uma escola primária e passar a noite em cima da secretária. No outro dia meteu-se no comboio e foi ter com a irmã que vive em Almeirim.

Na cidade da sopa de pedra trabalhou numa destilaria e depois na Misericórdia antes de conseguir entrar para a câmara, onde actualmente é um dos funcionários que faz a recolha dos monos depois de ter passado pela recolha do lixo e pela varredora. Na Misericórdia fazia de tudo, desde mudar utentes de uma cama para a outra, lavar loiça ou passar os lençóis a ferro. Quase todo o dinheiro que ganhava e o que já tinha ganho guardava-o no banco. Não tem vícios. Não bebia café, nem bebidas alcoólicas. Fumar experimentou às escondidas quando ia com os colegas da Casa do Gaiato para a praia da Azurara. Um dia uma velhinha disse-lhe que não devia fumar porque fazia muito mal à saúde. Tem epilepsia e é muito nervoso. Atirou o maço fora e nunca mais pegou num cigarro.

Em Almeirim começou a namorar, casou-se, divorciou-se e nunca mais teve mulher. Tem três filhos e cinco netos. A sua ligação aos Tigres vem de há muitos anos e nutre uma paixão pelo clube que é reconhecida por todos. Os filhos treinaram hóquei em patins. Quim é o único que nunca patinou. Pessoa humilde, de poucas falas, prestável e educado, reconhece que a Casa do Gaiato lhe deu os ensinamentos para a vida. Tem o sexto ano de escolaridade e uma vida que nunca lhe sorriu muito, mas é um exemplo de quem sabe combater as dificuldades.

Perdeu mãe aos dois anos e quando pai morreu os padres não o deixaram ir ao funeral

Mais Notícias

    A carregar...