Sociedade | 31-03-2005 11:45

"A Matança dos Judeus"

Todos os anos, no domingo de Páscoa, a população de Cem Soldos, Tomar, sai à rua para cumprir um antigo e estranho ritual. Uma procissão, sem a presença do pároco, durante a qual se proclama em alta gritaria a ressurreição de Cristo. No final, no largo da Igreja, são partidas com grande violência, cruzes feitas de canas e enfeitadas de flores. A cerimónia é conhecida por “Aleluias” ou “Matança dos Judeus”.A população de Cem Soldos, Freguesia da Madalena, Tomar, acordou cedo no Domingo de Páscoa para celebrar uma tradição centenária – a procissão de Aleluia ou, como alguns preferem apelidar, a Matança dos Judeus.Ainda não era nove da manhã e já dezenas de cruzes feitas de canas e enfeitadas com flores repousavam junto à parede exterior da igreja. A pouco e pouco as gentes da terra iam chegando, as mulheres com ramos de flores, os homens carregando cada qual a sua cruz.Meia dúzia de jovens envergam um manto vermelho, emprestado pela Confraria do Santíssimo Sacramento. São os líderes da procissão. São eles que ficam junto ao altar da igreja e, de papel na mão, lêem e cantam palavras alusivas à Páscoa, numa cerimónia que antecede a procissão. São também os jovens vestidos de vermelho que, de pequeno sino na mão, encabeçam a multidão de fiéis pelas ruas de Cem Soldos. Aos gritos, anuncia-se a boa nova – “Aleluia, Aleluia, já nasceu o Nosso Senhor”.O passo é largo porque a aldeia ainda é grande e nenhuma ruela ou beco pode ficar esquecido. Os gritos ouvem-se a grande distância e, na estrada nacional 349-3 há mesmo quem pare o automóvel para tentar perceber o motivo de tanta gritaria.Os braços não se cansam de levantar e baixar as dezenas de cruzes e ramos multicolores. Na face de cada habitante um misto de alegria e revolta. Alegria pela ressurreição do Senhor, revolta pela sua morte às mãos dos judeus.“No meu tempo partia-se tudo”, diz Felisberto Mourão do alto dos seus 88 anos. As pernas já deram o que tinham a dar e agora o idoso prefere ficar no largo, enquanto a “malta” faz a caminhada matinal.Felisberto partiu muita cruz. Para “matar os judeus, que mataram o Nosso Senhor”, como disse ao nosso jornal. “Agora já não dizem isso, houve quem achasse mal...”, refere, justificando o facto de algumas pessoas da terra, mais novas, preferirem “esconder” a tradição. Uma tradição que já não é o que era. O idoso ainda é do tempo em que a procissão levava “o dobro” de gente. “Havia ainda mais cruzes e ramos de flores e só quem os levava é que tinha direito a caminhar pela terra. Hoje vão todos”. Mais desenvolvimentos na edição semanal.

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