Sociedade | 08-07-2019 10:00

Em tempo de TV por cabo e ‘streaming’ há quem vá à biblioteca levantar DVD

Em tempo de TV por cabo e ‘streaming’ há quem vá à biblioteca levantar DVD

O Dia Mundial das Bibliotecas celebra-se a 1 de Julho e O MIRANTE foi visitar algumas bibliotecas municipais da região.

Apesar do número de utilizadores ter vindo a baixar as mesmas estão vivas e reinventam-se. Para além de disponibilizarem sinal wi-fi e pontos de acesso à internet, algumas têm o seu catálogo disponível online e promovem acções para conquistar novos leitores. E se a tendência é para reduzir a verba para aquisições há municípios que mantêm o investimento e outros que o aumentaram.

“A leitura continua a ser a melhor forma de conhecimento”

Director da Biblioteca António Botto, em Abrantes, fala em adaptação

O director da Biblioteca Municipal António Botto, em Abrantes, Francisco Lopes, desvaloriza o facto de as bibliotecas públicas estarem a perder leitores e considera que se trata de uma situação que resulta da nova realidade social.
“As redes sociais e a internet vieram alterar os hábitos das pessoas, incluindo os de leitura. As redes sociais utilizam as pessoas, nós somos um produto delas, por isso é que há uma diminuição de consumos minoritários e a leitura é um deles”, refere.

O facto de existir uma rede de bibliotecas escolares, que são completares às bibliotecas municipais, também explica a diminuição de leitores. “Se os alunos não precisam de vir aqui porque têm espaços com qualidade nas escolas é lógico que o número de utilizadores diminua nas bibliotecas municipais”, acrescenta.

A Biblioteca Municipal António Botto existe desde 1887 e tem-se adaptado às novidades ao longo dos tempos. Actualmente, dispõe de internet e serviço wi-fi gratuito para os seus utilizadores, por exemplo.

“As bibliotecas disponibilizam serviços de aquisição, tratamento, conservação e difusão de informação mas a biblioteca continua a ser também um espaço da esfera pública, onde nos encontramos, trocamos ideias, somos solidários uns com os outros e geramos capital humano. É muito importante as bibliotecas continuarem a existir”, sublinha.

Os mais jovens são os que mais utilizam o espaço da biblioteca para acederem à internet embora já haja pessoas mais velhas também a fazerem-no. Francisco Lopes considera importante que se invista em programas de literacia digital para os mais idosos aprenderem a utilizar correctamente a internet.

Na Biblioteca António Botto não existem estatísticas dos livros mais procurados pelos leitores. No entanto, quem mais requisita livros são os utentes entre os 51 e os 65 anos com um total de 1003 requisitantes no último ano.

“Se a biblioteca fosse feita apenas com os livros mais procurados deitava os clássicos todos fora porque a maioria não sai das prateleiras durante anos. Uma biblioteca tem que ser uma memória da história e um espelho do que se lê na actualidade”, opina, acrescentando que livros como as 50 Sombras de Grey, que estiveram tão na moda há uns anos, são obras muito requisitadas por isso mesmo.

A diminuição de leitores fez com que a câmara de Abrantes tenha diminuído o investimento na compra de livros. Os jornais e revistas também estão disponiveis aos utilizadores.

“Apesar da televisão por cabo e do “streaming” os DVD continuam a ter saída”

Maria José Pereira é a directora da Biblioteca Municipal de Tomar

Os livros infantis são os mais procurados na Biblioteca Municipal de Tomar Dr. António Cartaxo da Fonseca, seguindo-se as obras de autores portugueses. Valter Hugo Mãe, João Tordo, Gonçalo M. Tavares e José Luís Peixoto são os escritores nacionais mais procurados actualmente.

“Temos um público muito diversificado que gosta de autores diferentes mas existem vários autores portugueses que ganharam notoriedade e são muito procurados”, explica, acrescentando que, devido à diminuição de leitores a câmara municipal reduziu também a aquisição de livros.

Um dado curioso é os utilizadores continuarem a requisitar muitos DVD’s para verem filmes em casa apesar das novas tecnologias e TV Cabo facilitarem o acesso ao cinema em casa.

A biblioteca também disponibiliza jornais e revistas para o público e há também muitos estudantes que utilizam o espaço para estudar e fazer investigação. Durante o período lectivo a maior parte dos utentes são jovens. Nas férias escolares são os cidadãos mais velhos que estão em maioria.

A Biblioteca de Tomar, que completa 22 anos em 2019, desenvolve vários projectos dos quais se destacam o “Mente Sã”, em que visitam lares e centros de dia, onde desenvolvem diversas actividades. O Chá com Letras é outra das iniciativas que uma vez por mês junta um grupo de 15 pessoas para falarem sobre um livro que escolhem.

A Biblioteca Municipal de Tomar Dr. António Cartaxo da Fonseca tem menos leitores do que há dez anos mas continua a ser um local muito procurado pelos leitores, muitos dos quais se mantêm fiéis ao espaço ao longo do tempo. Em 2017 foram requisitados 6457 livros. Em 2018 foram 6313. A média anual de utilizadores é de 45 mil.

Biblioteca de Torres Novas tem o seu catálogo disponível online

Câmara Municipal manteve o investimento em livros, jornais, revistas e DVD

Os estudantes e os idosos são quem dá vida à Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, em Torres Novas. Os mais novos procuram o espaço para estudar e servirem-se de livros para documentar ainda mais as matérias de estudo e os mais idosos procuram os jornais regionais e nacionais, bem como semanários generalistas e algumas revistas de especialidade. Por mês, a média de entradas na biblioteca ascende a 7.700, sendo que em 2018 totalizou 93.209.

Todos os serviços da biblioteca são gratuitos, incluindo o wi-fi, uma ferramenta também muito procurada por estudantes. O catálogo da Biblioteca Municipal de Torres Novas está online e qualquer pessoa, em qualquer lado, pode pesquisar qualquer livro ou documento e saber se está disponível para empréstimo domiciliário ou apenas presencial.

Entre livros, jornais, revistas, dvds e cds, a Biblioteca Municipal de Torres Novas investe cerca de 4.000 euros anualmente, valor que se tem mantido nos últimos três anos.

Quanto aos autores mais lidos, nesta biblioteca destaca-se J.K.Rowling e os livros de Harry Potter por parte da camada mais jovem. Já os adultos procuram sempre as últimas novidades ou livros de referência de autores mais conhecidos. No caso dos investigadores, as obras de carácter geral, no caso da História, são bastante procurados.

Qualquer pessoa, independentemente da idade pode frequentar a biblioteca e fazer leitura presencial ou levar livros para casa. A única condição necessária para que haja empréstimo domiciliário é fazer o cartão de utilizador. Mais de 10.000 utilizadores são portadores do cartão de leitor.

“A biblioteca também vai à procura de novo potenciais leitores”

Sandra Ferreira é responsável pelas bibliotecas municipais do concelho de Benavente.

Conta-se que o escritor argentino Jorge Luís Borges, quando foi director da Biblioteca Nacional de Buenos Aires, desvalorizava as queixas dos funcionários relativas a desaparecimento de livros, dizendo que se alguém queria guardar um livro era porque o amava.

O MIRANTE não sabe qual a perspectiva de Sandra Ferreira, bibliotecária responsável pelas bibliotecas municipais do concelho de Benavente, mas pela forma descontraída com que relata o desaparecimento de um ou outro livro, não deverá ser muito diferente da do Nobel da literatura.

“Os autores portugueses como João Tordo ou Afonso Cruz são os mais requisitados mas nas prateleiras temos livros de todos os géneros, incluindo livros eróticos. Aqui não há livros proibidos. Se somos uma biblioteca pública é nosso dever pôr ao serviço da comunidade todo o tipo de literatura”, justifica.

“Na altura do seu lançamento, a trilogia “As Cinquenta Sombras de Grey” foi muito procurada porque gerou polémica mas houve outros, do mesmo género, que também despertaram curiosidade quando foram adquiridos, como o “Kamasutra”, que desapareceu da estante rapidamente...e literalmente”.

Reinventar as bibliotecas é o que está a ser feito no concelho de Benavente. O objectivo é atrair novos leitores, sobretudo dentro das camadas mais jovens. O grande défice concentra-se entre os 13 e os 15 anos, altura em que as redes sociais se começam a tornar mais apelativas e se vai perdendo o hábito da leitura.

A utilização de novas tecnologias tem sido a aposta na Biblioteca Municipal de Benavente e na Biblioteca Odete e Carlos Gaspar, em Samora Correia. As duas passaram a integrar um projecto pioneiro, em parceria com a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP) que se desenvolve através de uma aplicação na Internet (app Desafios LeR+), disponibilizando jogos sobre um conjunto de seis livros recomendados pelo Plano Nacional de Leitura. O “Juntos de Férias” destina-se a incentivar a leitura de jovens entre os 10 e os 15 anos.

“Para acertar nas respostas os leitores precisam de ler os livros, estabelecendo-se desta forma uma ligação entre o mundo virtual e a biblioteca onde têm acesso ao livro”, explica Sandra Ferreira, sublinhando que com aquela aposta “ler e navegar na Internet caminham de mãos dadas”.

Segundo a bibliotecária, os jovens procuram as bibliotecas, essencialmente para estudar e realizar trabalhos de investigação. “Curiosamente temos tido um número crescente de jovens universitários que estudam fora e que na época de exames vêm diariamente para a biblioteca”, nota.

Os leitores adultos, entre os 30 e os 50 anos, escolhem um livro, requisitam-no e levam-no para casa para ler. Quem mais tempo passa na biblioteca, além dos jovens, são septuagenários, do sexo masculino, que ali vão para ler jornais e revistas. Nas bibliotecas de Benavente são disponibilizadas publicações de distribuição alargada como A Bola, Record, Correio da Manhã, Jornal de Notícias, Visão, Expresso, TV Guia e O MIRANTE.

O acesso ao wi-fi é outro atractivo, até quando a biblioteca está encerrada. “Como conseguem ter rede junto ao edifício é comum vermos pessoas sentadas à porta, ou até mesmo de carro parado no meio da rua. Dificilmente estes acessos serão para ler um livro online, mas já aconteceu um indivíduo estar a usar o serviço para trabalhar”, refere.

Segundo a bibliotecária, o investimento da Câmara de Benavente na compra de novos livros tem vindo a aumentar, uma vez que são frequentes as solicitações de leitores.”Cada aquisição é sempre feita a dobrar para que cada uma das bibliotecas seja independente da outra”, explica a bibliotecária. A Biblioteca Municipal de Benavente e a Biblioteca Odete e Carlos Gaspar passaram a integrar em 2018 a Rede Nacional de Bibliotecas Públicas.

“Ainda é a comunidade escolar quem mais procura as bibliotecas”

Luísa Cotrim é directora da Biblioteca Municipal Braamcamp Freire, em Santarém

As bibliotecas continuam a ser mais procuradas pela comunidade escolar, sobretudo durante as aulas e nos momentos de exames em que os jovens necessitam de maior concentração. A constatação é da directora da Biblioteca Municipal Braamcamp Freire, em Santarém, e da Sala de Leitura Bernardo Santareno, lembrando ainda que os dois espaços têm todos os anos em marcha um conjunto de actividades para os mais novos para cativá-los para a leitura, como a “Hora do Conto”.

Além disso, conta a bibliotecária, há também um grande grupo de leitores assíduos, com mais idade, que faz questão de preferir a biblioteca aos cafés e que, todos os dias, logo de manhã, vai dar uma olhadela aos jornais e revistas disponibilizados.

E porque as bibliotecas se assumem cada vez mais como um espaço não apenas para angariar novos leitores, mas também para dispor de recursos para melhorar a vida das pessoas, Luísa Cotrim afirma a O MIRANTE que há cada vez mais pessoas a deslocarem-se à biblioteca e sala de leitura para navegarem na internet, ao mesmo tempo que realizam os trabalhos nos seus computadores. “Contam-se pelos dedos as pessoas que se sentam para ler livros. Normalmente, os utilizadores preferem requisitá-los para ler em casa”, refere.

Inseridas na Rede de Leitura Pública e ainda na Rede Intermunicipal de Bibliotecas da Lezíria do Tejo, tanto a Biblioteca Municipal Braamcamp Freire como a Sala de Leitura Bernardo Santareno têm contado com um aumento significativo do número de livros e materiais em suporte informático no seu espólio. Tudo graças ao investimento que a câmara tem feito com o objectivo de satisfazer os pedidos provenientes dos seus utilizadores, que vão desde as crianças das pré-escolas aos jovens estudantes do ensino superior e comunidade em geral.

“Este investimento é variável e funciona tendo em conta a política de aquisições que a biblioteca tenta em cumprir e satisfazer, nomeadamente os pedidos provenientes dos nossos utilizadores”, adianta Luísa Cotrim, realçando que há uns anos só havia três jornais e que actualmente há nove jornais disponíveis, além de revistas.

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