Sociedade | 23-11-2020 18:00

Diabetes é doença má e caprichosa que não dá descanso

Vida de um diabético mais facilitada graças aos avanços da medicina e da tecnologia.

Por coincidência os dois entrevistados por O MIRANTE, a propósito do Dia Mundial da Diabetes, que se assinalou a 14 de Novembro, têm 39 anos. Em Duarte Nascimento, de Almeirim, a diabetes manifestou-se aos três anos de idade. No caso de Joel Monteiro, residente em Castanheira do Ribatejo, foi aos 21 anos. Actualmente têm rotinas, impostas pela doença, muito parecidas. Ambos sofrem de Diabetes Tipo I, a mais rara.

“Em criança tive vergonha de pedir um pacote de açúcar e estive em risco”

Duarte Nascimento tinha três anos quando os pais descobriram que ele sofria de Diabetes tipo 1. Durante uma viagem de carro desde a sua terra natal, Almeirim, até Torres Vedras tiveram que parar 11 vezes para a criança fazer chichi. Os pais estranharam e foram à procura de respostas.

Em 1984 havia muito pouca informação sobre diabetes mas os pais encontraram a Associação Protectora dos Diabéticos em Lisboa. Foi aí que souberam como lidar com a doença do filho, que no seu caso é hereditária. A sua avó paterna era portadora da doença e no seu pai, Francisco Nascimento, a doença manifestou-se depois dos 40 anos.

Duarte Nascimento diz que só começou a ter percepção que era diferente por volta dos cinco anos. Foi nessa altura que começou a perguntar aos pais porque tinha que levar sempre uma sempre injecção após as refeições.

“Agradeço aos meus pais por nunca me terem escondido nada. Desde sempre me explicaram o que eu tinha e falaram com os meus amigos e os seus pais. Em Almeirim praticamente toda a gente sabia que eu era diabético e isso ajudou muito”, recorda.

No entanto, isso não evitou algumas situações complicadas. Conta que, um dia, teria dez anos, sofreu uma baixa de açúcar no sangue e não pediu ajuda imediatamente. “Era criança e tinha vergonha de pedir bolos ou pacotes de açúcar porque as pessoas pensavam que eu, sendo diabético, não podia ingerir açúcar. Nesse dia estava no café e senti-me mal. Acabei por ser assistido e, no final, os donos do café, que me conheciam bem, ralharam por eu não lhes ter pedido açúcar”, recorda.

Em adulto teve duas situações mais complicadas mas que conseguiu resolver sem ter que ser internado. Existem algumas coisas que têm que andar consigo para todo o lado: a máquina dos testes que dão o valor da glicémia, pacotes de açúcar e insulina.

Bancário de profissão, Duarte Nascimento sempre teve uma alimentação saudável. Come carne grelhada, peixe e muitas verduras. Pode comer fruta mas deve evitar algumas como uvas, melão e figos. Banana, manga e cerejas também deveria evitar mas Duarte confessa que de vez em quando não resiste. E tem outros deslizes de tempos a tempos, mas controlados.

Sendo desportista, e como já conhece bem como funciona a doença, aproveita depois de um treino desportivo intenso para comer o que normalmente não pode comer uma vez que o corpo precisa de açúcar. Mas a rotina é manter a alimentação saudável.

Duarte Nascimento diz que o conhecimento sobre a diabetes evoluiu muito. Quando lhe foi diagnosticada a doença, em 1984, a única forma de controlar o açúcar no sangue era através de umas tiras de exame à urina e o resultado só era conhecido quatro a seis horas depois. Hoje em dia já existem medidores de glicemia que dão valores no momento, como um sensor que se coloca num braço e dá valores regularmente ou as tiras onde se coloca uma gota de sangue obtida através de uma picada num dedo. Também existem bombas que administram a insulina automaticamente.

“Quando tenho que injectar insulina não me escondo mas há quem me olhe de lado”

Quando nos abre a porta de casa, Joel Monteiro, 39 anos, já fez a sua rotina matinal. “Picar, administrar insulina e comer”. É assim todas as manhãs para o operário fabril e bombeiro voluntário de Castanheira do Ribatejo e para mais de um milhão de portugueses diagnosticados com diabetes.

Foi aos 21 anos que soube que tinha diabetes tipo 1 - aquela em que o doente é totalmente dependente de insulina - depois de um emagrecimento repentino e sintomas como urinar com elevada frequência e ter frequentemente a boca seca desconfiou logo do que seria, porque o pai também é diabético. Quando a confirmação chegou não entrou em choque. “Aceitei bem a doença, até porque não é o fim do mundo. Posso dizer que vivo bem com a diabetes e que ela não me impede de fazer nada”, diz a O MIRANTE.

Longe vão os tempos em que ser diagnosticado com diabetes era como receber uma sentença de morte, porque não havia como controlar com a regularidade necessária os níveis de glicemia. Agora até a picada no dedo está a desaparecer da rotina dos doentes com a introdução de um sensor fixo no braço que faz medições constantes.

“Chegava a picar-me sete vezes ao dia e desde que tenho o sensor faço-o duas vezes”, conta Joel Monteiro que além do aparelho - que é fornecido pelo SNS (Serviço Nacional de Saúde) - investiu num sensor que, de cinco em cinco minutos, transmite a leitura da glicémia para o telemóvel e para o relógio (smartwatch).

A tecnologia veio simplificar e ajudar a controlar a doença, mas não a faz desaparecer. É por isso que Joel não sai de casa sem a sua bolsa SOS, onde transporta a insulina, máquina e tiras de medição, bolachas, uma maçã e um pacote de açúcar. “Se a glicemia descer muito tenho de comer e se subir tenho de injectar insulina. É por isso que esta bolsa é uma parceira para a vida”, refere.

A administração da insulina em público ainda não é aceite e compreendida por todos. Há olhares indiscretos de reprovação ao acto, que não é nada mais do que a toma de um medicamento essencial à vida. “Quando tenho que me injectar não faço caso. Até num centro comercial cheio de gente sou capaz de o fazer. Porque haveria de ter de o ir fazer para uma casa de banho?”, questiona Joel Monteiro, notando que “há casos em que são os próprios diabéticos a querer esconder a doença”.

Pela sua experiência sabe que esconder uma doença que se descontrola não é uma boa opção. “Já precisei da ajuda dos meus colegas de trabalho a meio de uma crise de hipoglicémia. A sorte é que eles sabiam e um deles percebeu que eu precisava urgentemente de ingerir açúcar”, partilha. Durante esse episódio só se recorda de sentir o suor a escorrer-lhe pelo rosto e de pegar num pacote de açúcar que já não conseguiu levar à boca. O facto de não haver uma dose fixa para a quantidade de insulina que o seu corpo precisa faz com que tenha de fazer contas a toda a hora. “Uma refeição principal implica sempre administrar insulina. Depois por cada 12 gramas de hidratos de carbono dá-se uma unidade”, diz, advertindo que “não há dois diabéticos iguais”.

Sessenta a setenta mil novos diabéticos por ano

A diabetes tipo 1, também conhecida como diabetes insulino-dependente, é mais rara (a sua forma juvenil não chega a 10% do total) e atinge na maioria das vezes crianças ou jovens, podendo também aparecer em adultos e até em idosos. O tipo mais comum de Diabetes, a Tipo 2, é causada por um desequilíbrio no metabolismo da insulina e tem como principais factores de risco a obesidade, o sedentarismo e a predisposição genética. Segundo a International Diabetes Federation (IDF) a diabetes afecta aproximadamente 9,8 por cento da população adulta (20-79 anos) portuguesa.

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