Sociedade | 23-11-2020 12:30

Gonçalo Ribeiro Telles morreu sem ter nome de rua em Coruche

Gonçalo Ribeiro Telles morreu sem ter nome de rua em Coruche
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Arquitecto, recentemente falecido, tinha fortes ligações a Coruche e em 2013 foi aprovada uma recomendação para que fosse atribuído o seu nome a uma artéria da vila, o que não chegou a acontecer. O motivo pode estar na sua voz crítica às obras do município que, na sua óptica, privilegiaram o betão.

A Assembleia Municipal de Coruche propôs, em 2013, dar o nome de Gonçalo Ribeiro Telles a uma artéria da vila. O assunto ficou esquecido até 13 de Novembro, dois dias depois do seu falecimento. O esquecimento pode ter sido propositado tendo em conta as críticas do arquitecto à intervenção nas margens do Sorraia que na altura apelidou de “parvoíces”. Gonçalo Ribeiro Telles “foi um coruchense de nobre coração e considerado um visionário. Sempre manifestou o seu amor por Coruche”, apontou na altura Abel Matos, do Movimento Independente de Cidadãos (MIC). A proposta baixou à comissão de toponímia mas não avançou e o assunto ficou esquecido. Na última assembleia municipal foi feita nova recomendação por Francisco Gaspar, eleito do PSD.

Francisco Oliveira, actual presidente do município e, à data da primeira proposta, vice-presidente da câmara, esclarece que a comissão de toponímia decidiu aceitar a proposta e esta só não avançou porque faltava encontrar uma artéria que merecesse a dignidade do nome que lhe seria atribuído, lembrando, no entanto, que não é comum designarem-se artérias, topónimos, de pessoas ainda em vida.

Confrontado com a ideia de que o arquitecto era crítico da obra realizada na zona ribeirinha de Coruche, Francisco Oliveira refere que apesar de não ter havido um projecto de Ribeiro Telles para essa zona, parte da intervenção tem o seu contributo, “com base em esboços de intenção”. Para o presidente da autarquia, a recomendação de 2013 mantém-se válida e a intenção agora é recuperar o processo e contactar a família para avaliar a atribuição do topónimo, “que eventualmente poderá ser na Avenida do Sorraia”.

Voz crítica do Parque Sorraia

A voz crítica de Gonçalo Ribeiro Telles ao que considerou más práticas ambientais e falta de estratégia na preservação e valorização da paisagem em Coruche, com a construção do Parque Sorraia e outras obras feitas na vila, é a causa provável para ter caído no esquecimento a proposta apresentada há sete anos.

Com a morte do arquitecto, na quarta-feira, 11 de Novembro, aos 98 anos, na sua casa em Lisboa, o assunto voltou à Assembleia Municipal de Coruche, onde além da aprovação de um voto de pesar, foi solicitado à Câmara de Coruche que perpetue a memória de Gonçalo Ribeiro Telles dando o seu nome a uma artéria ou a um espaço nobre da vila.

A oposição de Gonçalo Ribeiro Telles ao projecto idealizado e construído em Coruche, o Parque Sorraia (ver caixa), era de conhecimento público e não é difícil encontrar referências onde a manifesta. No livro que acompanha a sua exposição de 2005 no Museu Municipal “Coruche na Obra do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles”, chega a apelidar o projecto de “parvoíce”. O arquitecto paisagista fala várias vezes na margem elástica, arbustiva, constituída por caniços, salgueiros e outras árvores, por oposição à colocação de pedra e betão.

Em entrevista a O MIRANTE, em 2009, confessou não lhe agradar a intervenção feita na zona ribeirinha de Coruche. “Considero que o que se fez nas margens do Sorraia (…) é um desastre com consequências imprevisíveis. Já vi e reflecti sobre o que lá está. E alertei em tempo oportuno, mas ninguém me ouviu”, rematava.

Recorde-se que o arquitecto enquanto ocupou o cargo de secretário de Estado do Ordenamento e Ambiente foi responsável pelo processo que levou à classificação dos sítios da Agolada e do Monte da Barca, permitindo desse modo assegurar a manutenção do equilíbrio ecológico destas áreas. Também definiu o centro histórico de Coruche como sítio classificado, o que permitiu salvaguardar o seu património arquitectónico e histórico.

À margem

A proposta inicial apresentada na Assembleia Municipal de Coruche pelo Movimento Independente de Cidadãos, em 2013, sugeria que o nome Gonçalo Ribeiro Telles fosse atribuído à Avenida do Sorraia. Um espaço que, ironicamente, simboliza tudo o que o arquitecto mais criticava. Onde, como dizia, as margens criadas em forma de dique de protecção de pedra são margens mortas, que afastam os peixes. O que levou a bancada da CDU, na assembleia municipal de 13 de Novembro último, a alertar que, se fosse vivo, talvez o homenageado não ficasse muito feliz com a associação do seu nome àquele espaço.

Parque Sorraia transformou a frente ribeirinha

O Parque Sorraia, o maior investimento de sempre no concelho de Coruche, a rondar os 13 milhões de euros, teve início em 2004 durante a presidência de Dionísio Mendes (PS). Além de resolver os problemas de saneamento básico na vila, o projecto contemplou a requalificação urbana da zona do rossio de Coruche, à beira do rio. Potenciar a oferta turística e aumentar a qualidade de vida dos coruchenses foram os grandes objectivos da intervenção.

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