Sociedade | 28-02-2021 07:00

A longa espera pela normalidade

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Na Estrutura de Apoio de Retaguarda, em Fátima, acolhem-se doentes com Covid-19 para aliviar a pressão nos hospitais e dar apoio a utentes de lares e pessoas sem condições de isolamento. O MIRANTE passou duas horas com os profissionais de saúde nos corredores e quartos onde se suspira pela recuperação e pelo regresso à normalidade.

Entra-se nos corredores da Estrutura de Apoio de Retaguarda (EAR), no Centro Francisco e Jacinta Marto, em Fátima, onde a Covid-19 entrou pela primeira vez a 14 de Dezembro, e só se ouvem os passos de uma enfermeira vestida dos pés à cabeça com um fato branco, apenas com os olhos à mostra. Num dos quartos, Maria Domingos sorri ao ver entrar o médico e a pergunta, que é a mesma todos os dias, sai quase em forma de cumprimento: “Então doutor, quando é que saio daqui?”

O roupão cor-de-rosa e o pijama têm sido as únicas vestes das últimas semanas. E o chão daquele quarto o único que pisa. “Está quase a sair, já falta pouco. Não se preocupe, não nos esquecemos de si”, diz-lhe o médico, José Feliciano. A mulher já não tem sintomas mas só um teste com resultado negativo lhe serve de passaporte para a alta.

Esta é uma das 28 Estruturas de Apoio de Retaguarda existentes no país. Recebe doentes com Covid-19 que não precisam de estar hospitalizados ou utentes de lares que não podem ficar nas instituições por falta de condições de cuidados ou isolamento. Há também quem venha de casa pelos mesmos motivos. Estes últimos “são casos sinalizados pelas instituições sociais, unidade de saúde pública ou pelos municípios”, explica o director distrital da Segurança Social de Santarém, Renato Bento.

O número de surtos em lares e nos hospitais acaba de baixar significativamente na segunda quinzena de Fevereiro, mas nem por isso os quartos ficaram vazios. Em Fátima estavam no início desta semana 40 utentes, ainda assim menos 20 do que no mês passado. “No limite podemos ir até aos 90, mas neste momento não temos pendências de avaliação para acolhimento. Temos tido uma quebra significativa nos surtos em Estruturas Residenciais para Idosos do distrito, o que nos leva a crer que o efeito da vacinação está a ter bons resultados”, refere Renato Bento.

Isolamento é difícil de aguentar

Cansada de não ter nada para fazer e sem qualquer sintoma Covid, Elvira Santos é uma entre a dezena de utentes acolhidos na sequência da evacuação de um lar ilegal com surto de Covid-19 em Salvaterra de Magos. “Nem posso ir ali fora apanhar ar. Assim é difícil aguentar, logo eu que já sou depressiva. Passo o tempo metida na cama”, diz terminando com um suspiro a utente com 74 anos.

Na cama ao lado está uma idosa a ser alimentada à boca por uma das 20 auxiliares de acção directa da Segurança Social. A equipa é composta por mais seis enfermeiros a tempo inteiro dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) da Lezíria (1) e Médio Tejo (5) e um médico em permanência. O número aumenta consoante o número de acolhidos.

“Já chegámos a ter 14 e o maior desafio tem sido esse, encontrar profissionais. Inicialmente tentámos uma contratação externa, mas tal não foi possível porque todos os hospitais estavam a contratar”, refere a directora do ACES do Médio Tejo, Diana Leiria, explicando que, para terem equipa, quatro dos enfermeiros tiveram de ser “retirados dos seus serviços” nos centros de saúde.

O comandante da protecção civil do distrito de Santarém, David Lobato, chama a esta ginástica de recursos humanos uma “gestão de boas vontades”. É a ele e à sua equipa que cabe avaliar e decidir sobre os pedidos de acolhimento que chegam dos lares, domicílios e hospitais e coordenar o transporte e accionamento de meios. Numa só tarde chegaram a transportar 35 idosos evacuados de um lar ilegal em Samora Correia.

Há 14 dias de olhos postos na janela

O silêncio nos quartos é muitas vezes quebrado pelos barulhos das máquinas de medição dos sinais vitais, da diabetes ou do oxigénio, que fazem parte da rotina diária. “Há doentes que chegam com muitas comorbidades, desidratados e alguns a necessitar de terapêutica de oxigénio”, conta a directora do ACES do Médio Tejo, explicando que quando a Covid-19 evolui de forma galopante a equipa de saúde não hesita em fazer o encaminhamento para o hospital.

Não é o caso de Carminda da Conceição que só teve febre e uma tosse ligeira. Às 16h35 está precisamente no mesmo sítio onde a deixou a auxiliar que lhe serviu o lanche: sentada na cadeira-de-rodas e de olhos postos na janela. Há 14 dias que não sai daquele quarto. Nesta unidade o tempo médio de internamento é 18 dias.

Carminda tem dificuldade em recordar a idade. “86, será? Confesso que não me lembro”, diz. Não sabe como contraiu o vírus, nem há quantos dias deixou a sua casa, em Tomar, mas está certa que está ali “há muito tempo”. Nem por isso reclama da situação a que a Covid a obrigou. “Esta vida atura-se bem. Aqui são todos bons de encarar. Só tenho a dizer bem e com esta idade, em que já estou mais para lá do que para cá, já não tenho pressa de ir para lado nenhum”, diz a companheira de quarto de Maria Domingos.

“Nunca é tempo de uma família ver um membro partir”

Depois de deixar os corredores da Covid-19 o médico de Tomar, José Feliciano, despe o fato e é pulverizado com desinfectante. O seu turno está a uma hora de terminar e, felizmente, não houve quem piorasse. Desde que ali está como voluntário, há cerca de um mês, coube-lhe comunicar um óbito. “São sempre momentos difíceis, mas fazem parte da vida de um médico”, conta, sublinhando que, “independentemente da idade, nunca é tempo de uma família ver um membro partir”.

Até 22 de Fevereiro, a data desta reportagem, morreram 14 doentes dos cerca de 100 que foram acolhidos nesta EAR. Quatro dezenas estão no caminho da recuperação e três estão internados. Os restantes tiveram alta e regressaram às suas famílias, aos lares onde estavam ou a novas estruturas residenciais legais, encaminhados pela Segurança Social com o consentimento dos familiares.

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