Sociedade | 31-03-2021 10:00

Beatriz tem o cromossoma do amor e uma paixão pela dança

Beatriz tem o cromossoma do amor e uma paixão pela dança
Beatriz Amado e Isabel Amado

Beatriz Amado é muito mais do que apenas uma menina com Trissomia 21: é atleta de dança, pintora nas horas vagas e é, sobretudo, uma jovem divertida que diz gostar tanto de abraços e beijos como gosta de comer pizza, o seu prato favorito.

No dia em que Beatriz nasceu, há 19 anos, com 3,200 gramas, Isabel Amado olhou para os olhos rasgados da filha e logo percebeu que tinham algo de diferente. A suspeita de Trissomia 21 depressa se torna numa certeza, mas não é suficiente para estragar aquele que considera ser um dos momentos mais abençoados da sua vida. Nos corredores da maternidade, o marido, José, vive o medo do desconhecido que se vai desvanecendo para dar lugar a um amor inexplicável. Os irmãos mais velhos, Sofia e Júlio, ainda não têm idade para perceber que a sua irmã recém-nascida é especial, mas o tempo vai-se encarregando de o demonstrar. “A Beatriz uniu ainda mais a nossa família. Tem um coração cheio de amor para dar e acabou por nos contagiar a todos”, explica, Isabel a O MIRANTE.

Não é por acaso que se diz que a Trissomia 21, ou Síndrome de Down, é o “cromossoma do amor”. Beatriz vive do toque e de afectos e gosta mais de dar do que receber. “Está sempre a querer dar abraços e beijos. Costumo dizer, em jeito de brincadeira, que o carinho que me faltou já foi recompensado por ela”, afirma Isabel.

A Trissomia 21 não é uma doença mas uma alteração genética proveniente de uma divisão celular atípica que produz um óvulo ou um espermatozoide com 24 cromossomas, em vez de 23. Por esta razão, Isabel não gosta que digam que a filha tem uma deficiência. “Às vezes perguntam-me se teria abortado se soubesse que a Beatriz ia nascer com Trissomia 21. Respondo sempre com um sorriso e volto as costas porque, definitivamente, quem faz essa pergunta não sabe o que é amor”, sublinha.

O MIRANTE esteve com mãe e filha, numa tarde de quinta-feira no Parque Verde do Bonito, no Entroncamento. As dificuldades que Beatriz tem em expressar-se são ultrapassadas pelas gargalhadas contagiantes e pela atenção às palavras da mãe, que vai interrompendo, à medida que vai contando a sua história ao repórter.

Nos primeiros dois anos de vida a correria para os médicos torna-se numa rotina semanal. A fragilidade de Beatriz, traduzida num fraco sistema imunitário, quase que a impede de sair à rua. Aos dois anos ingressa no jardim-de-infância da Brogueira, Torres Novas, de onde a família é natural. O objectivo é começar a desenvolver as suas capacidades através de uma intervenção precoce e, por isso, focam todas as energias em terapias para a estimular. “A Beatriz demora um bocadinho mais a fazer o que os outros fazem, mas nunca desiste. Sempre foi uma aluna com notas razoáveis, muito interessada e com um comportamento excelente”, afirma com orgulho.

Beatriz já conquistou dezenas de taças e medalhas

A ida para o Entroncamento surge antes de começar a frequentar o primeiro ciclo. A adaptação é boa e os colegas ajudam-na. É aí que conhece a professora Cristina Barracas, de quem mais sente saudades e que acabaria por ser determinante na sua vida. Neste momento, Beatriz fala pela primeira vez: “Ajudava-me nas contas, a ler e a escrever. Gostava muito dela, mas infelizmente já faleceu com cancro na mama”, lamenta. Na primária passa o tempo a jogar à bola e a pintar. “Sou muito boa a pintar. A minha mãe vai-me oferecer telas de pintura para eu me entreter em casa. Não vais, mãe?”, questiona, e recebe de Isabel um sorriso e um abanar de cabeça positivo.

A inclusão de Beatriz na sociedade nunca foi problema. Na altura em que vai estudar para o 2º ciclo, na Escola Dr. Ruy D’Andrade, Beatriz inicia aquela que viria a ser a sua grande paixão: a dança. Começa a frequentar as aulas de dança de salão do Centro de Instrução e Recreio de Moita do Norte, em Vila Nova da Barquinha. O seu par é mais velho cerca de 10 anos e também tem Trissomia 21. Juntos já conquistaram dezenas de medalhas e taças, que guarda religiosamente numa prateleira do seu quarto.

“Adoro dançar o Pasodoble, Samba e o Merengue. Sinto-me livre quando estou a dançar”, garante. Quando não está a dançar, Beatriz, diz que gosta de ver novelas, pintar, jogar à bola e, quando os pais deixam, comer pizzas e hamburgueres.

A condição de Beatriz mudou, inevitavelmente, a vida de Isabel Amado. Não por ser um fardo, como a maioria das pessoas imagina, mas por haver limitações inerentes que podem tornar a vida mais difícil de governar. “Trabalhei duas dezenas de anos numa fábrica em Torres Novas, mas tive que me despedir para dar atenção à Beatriz. Entretanto o meu marido teve um acidente de trabalho e também teve de se reformar por invalidez. Não é fácil sustentar uma família nestas condições, mas a alegria de viver da Beatriz torna tudo mais fácil”, confessa sem hesitar.

As despedidas dão-se, como não poderia deixar de ser, com uma cotovelada e uma promessa que Beatriz vai com certeza garantir que seja cumprida: “Fico à tua espera para me ires ver dançar um dia”.

Dia Mundial da Trissomia 21

Segundo a Ordem dos Enfermeiros, a Trissomia 21, ou Síndrome de Down, recebeu o nome em homenagem ao médico britânico que descreveu a síndrome pela primeira em 1862, John Down, embora a sua causa genética tenha sido descoberta em 1958 pelo professor Jérôme Lejeune.

A 21 de Março celebra-se o Dia Mundial da Síndrome de Down porque o 21 corresponde ao cromossoma que está alterado e o mês 3 corresponde aos três alelos. Em Portugal, as estatísticas apontam para que um em cada oitocentos bebés nasça com Trissomia 21. Julga-se que existam cerca de quinze mil pessoas com Síndrome no país. As estatísticas indicam que existe uma maior incidência em crianças geradas por mães com idade superior a trinta e cinco anos.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1661
    24-04-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1661
    24-04-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo