Sociedade | 26-07-2021 10:00

“É pornográfico o que se paga pela renda de uma casa em Vila Franca de Xira”

“É pornográfico o que se paga pela renda de uma casa em Vila Franca de Xira”
ENTREVISTA COMPLETA
Carlos Patrão diz- -se mais homem que político e por isso nunca teve medo de expressar a sua opinião

Carlos Miguel Patrão é um homem conhecido por dizer o que pensa e não ter um discurso ensaiado. Prova disso foi ter enfrentado o seu próprio partido na defesa da tauromaquia.

Está a acabar o seu primeiro mandato como vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Vila Franca de Xira onde lutou pela defesa do ambiente, pelas causas sociais e não teve pruridos em criticar as sociedades desportivas do mundo do futebol. Nesta entrevista a O MIRANTE, acusa o PSD de ser uma muleta do PS e classifica o socialista Fernando Paulo Ferreira como um carreirista da política que nada traz de novo. Uma conversa perto do Tejo com um apaixonado por montanhas que já esteve no campo base do Annapurna e Evereste.

Quatro anos depois de ter sido eleito vereador fez tudo o que queria?

Não deu tempo. Fizemos boa oposição, crítica mas construtiva. Chegámos a abster-nos nos primeiros três orçamentos do PS, demos o benefício da dúvida, tentámos negociar medidas do nosso programa que o PS aceitou mas nunca concretizou até hoje. Um exemplo disso foi a instalação de unidades móveis para rastrear problemas de poluição atmosférica no concelho, em particular em Alhandra por causa da Cimpor. Acabamos por estar hoje pior do que estávamos. Estamos a olhar com demasiada passividade para os problemas ambientais do concelho. Sem o Bloco a câmara teria ficado muito mais pobre nestes quatro anos.

Fiscalizar o ambiente é primordial?

As empresas que geram milhões de euros por ano não se deviam fazer de mortas para com as suas responsabilidades sociais e deviam dar mais à comunidade. Não podemos voltar a ter outro surto de legionella. Estamos a falar do concelho mais industrializado do distrito de Lisboa e para que a indústria se mantenha tem de haver um controlo muito fino dos impactos ambientais.

Não é só a poluição ambiental que prejudica. Também temos a visual, com outdoors espalhados por todo o lado…

Temos demasiada poluição visual. As juntas de freguesia são o parente pobre das autarquias e têm poucas fontes de receita. Os orçamentos das juntas são gastos no seu próprio funcionamento e sobra pouco dinheiro para investimento. Por isso são agarradas a esse tipo de receita comercial. Não têm hipótese. Se queremos diminuir essa poluição visual temos de dar meios às juntas para que possam abdicar dessas receitas.

Este namoro entre PS e PSD é bom para o concelho?

É enganador para as pessoas que votaram no PS a pensar que estavam a votar num partido de esquerda quando depois os pelouros sociais estão todos entregues ao PSD, que tem sobre isso uma visão neoconservadora. O PSD tem sido uma muleta do PS e isso deixa-os numa posição que diminui o PSD. A vereadora Helena de Jesus assina tudo de cruz e já fiz grandes críticas a esta gestão por causa disso. Agora assistimos aos jovens turcos do PS a atacar e a querer o poder. O candidato (Fernando Paulo Ferreira) foi uma pessoa que fugiu do executivo há quatro anos sem ninguém ter percebido porquê. Nunca foi bem explicado. Ele disse que ia trabalhar, o que acho bem, mas vimos que depois acabou por ir para deputado e parece-me que é mais um carreirista da política. É a antítese do que sou. Não me interessa nada ser deputado. Não quero.

Vê-se como uma pessoa de extrema-esquerda de posições extremadas?

Não sou nem concordo com essa classificação. Somos uma esquerda alternativa com gente de todas as correntes, da extrema esquerda à social-democracia. Espero que haja este ano uma composição política diferente, mais à esquerda e menos à direita. Estas novas caras, que na verdade são velhas, que se apresentam pelo PS, são mais à direita do que Alberto Mesquita. Mais conotadas com Maria da Luz Rosinha, que sempre esteve ao lado do poder económico. Devemos à Rosinha uma aliança com José Sócrates que em termos políticos lhe deve ter sido muito proveitosa mas que critico bastante. É a ela que devemos a plataforma logística, a co-incineração em Alhandra e as urbanizações imensas e mal planeadas. E a nova urbanização na frente ribeirinha da Póvoa.

Como classifica essa urbanização à beira do Tejo?

É a usurpação de um espaço público que devia ser natural e não devia ser apropriado por uma certa classe privilegiada que tem dinheiro para comprar apartamentos nesses locais. As pessoas vão comprar ali uma vida infernal. Ninguém pensou nas consequências de mobilidade. Não temos vias preparadas para acolher mais carros. Não é desculpável nunca se ter resolvido as questões de mobilidade. Se a solução para este modelo de desenvolvimento é satisfazer sempre a procura do mercado nunca teremos o problema resolvido. É fundamental acabar com o crescimento urbanístico e os perímetros urbanos têm de ser congelados. Temos imensos prédios devolutos nas cidades e é aí que temos de investir, na reabilitação urbana, para levar as pessoas de volta para os centros históricos e não dispersar os núcleos urbanos. Quanto mais prédios se constrói mais se agravam os problemas dos centros históricos.

E depois há o problema das rendas elevadas…

O preço médio por metro quadrado no aluguer é de oito euros no nosso concelho. Significa que uma casa de 100 metros quadrados custa 800 euros por mês. Acho isto pornográfico. No bairro da Icesa, em Vialonga, que tem imensos problemas sociais e está degradado, um apartamento não custa menos de 500 euros por mês. É incomportável. Revolta-me levar estes problemas a reunião de câmara e ouvir discurso do costume, que o mercado é que se regula. É um engano. O mercado não vai resolver nada…

O ex-presidente da câmara, Daniel Branco, defendeu em entrevista a O MIRANTE que o concelho não deve ter vergonha de se assumir como um concelho agrícola. Concorda?

Claro. O concelho é muito industrial mas também agrícola. Temos uma grande extensão de terra agrícola e isso é uma das nossas grandes riquezas. Temos capacidade de produção agrícola e agro-pecuária muito importante em termos nacionais e essa riqueza deve ser defendida. Este país tem poucos solos de aluvião como VFX. Mas há muitos apetites imobiliários para estes terrenos. Basta ver os apetites que existem para os mouchões. Houve sempre chantagem no mouchão da Póvoa: ou deixávamos que ali construíssem ou não reparavam os diques. E assim chegámos ao que temos hoje. Os mouchões deviam ser recuperados para agricultura e integrados na Companhia das Lezírias.

Proibir a tauromaquia é errado e os municípios não devem financiar o futebol profissional

A sua posição face à festa brava tira o sono a muita gente no núcleo duro do Bloco de Esquerda e chegou a votar contra a proibição das touradas.

Sou agnóstico, não sou aficionado mas sou de VFX e gosto das festas da minha terra. Não defendo as posições animalistas sobre o assunto. Os toiros têm a componente cultural mas também a económica e ecológica. Não podemos separar tudo. Se chegarmos à presidência não vamos acabar com a tauromaquia. Continuaremos a promover esta vertente no turismo como se faz actualmente. São os aficionados que devem escolher o futuro que querem para a tauromaquia. É errado impor posições à força. Não há défice de cultura tauromáquica em VFX mas já votei contra subsídios municipais ao empresário da praça de toiros. Porque entendo que tenho de fazer uma distinção entre o espectáculo onde o animal é brutalizado e as esperas que se fazem nas ruas. São coisas diferentes.

O seu mandato ficou marcado, também, por uma posição muito severa face ao financiamento público a Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) de clubes de futebol…

Estamos sozinhos na câmara nesse assunto. Não defendemos que seja o município a financiar, indirectamente, as SAD de clubes de futebol. Sejam elas de VFX, Alverca ou da Póvoa. Actualmente, não é clara a utilização das instalações desportivas pagas pela câmara, nomeadamente no Futebol Clube de Alverca, e não é clara a utilização por parte da SAD da compensação que o clube teve por causa disso.

É aceitável que um clube de futebol como o Alverca seja a associação mais apoiada pela câmara quando há uma associação de Vialonga a dar cuidados médicos à comunidade que recebe poucas centenas de euros?

Não é aceitável e nunca estive de acordo. Nunca me souberam explicar por que motivo a distribuição era feita daquela maneira. Objectivamente, estão dinheiros públicos a serem investidos a favor de privados. Veja-se o centro de estágios do Alverca. Foi a câmara que pagou a grande maioria do centro. Não tenho nada contra que se façam centros de alto rendimento e formação no país que recebam jovens de todo o mundo; agora não é o tipo de projectos que a câmara deve apoiar. E já nem falamos das escolas do Benfica que estão ligadas ao Futebol Clube de Alverca, são um merchandising privado. Não tem de ser o município a pagar esse tipo de formação. E em VFX também não foi ainda esclarecido quanto é que a SAD do Vilafranquense vai pagar ao município para poder usar o novo estádio municipal.

Foi uma das pessoas do movimento cívico Xiradania que esteve envolvida no processo movido pelo Futebol Clube de Alverca em tribunal, que o clube perdeu em toda a linha. Revê-se nas pessoas que dizem que o actual presidente é um “pato bravo”?

Não há dúvida que o clube sempre esteve ligado ao sector da construção civil, já desde o tempo do Luís Filipe Vieira, e sabemos que houve muitos interesses cruzados no passado e o perigo que isso representou. Sabemos onde foi parar o antigo estádio do Alverca e o buraco que isso deixou nas contas do clube. Queremos que o movimento associativo seja genuíno, independente e não uma alavanca de outros sectores económicos e políticos. Essa promiscuidade entre o sector associativo, os clubes de futebol, a política e certos sectores económicos, nomeadamente o da construção, tem dado mau resultado no concelho.

Um apaixonado por montanhas e pela pacatez da aldeia

Carlos Miguel Patrão é natural do concelho de Vila Franca de Xira, tem 54 anos e vive nas Cachoeiras. É solteiro e tem duas filhas, que são o seu maior orgulho e com quem gosta de passar a maior parte dos tempos livres. Elege Cachoeiras como uma terra boa para viver embora critique a escassez de transportes públicos. “Sempre tive uma forte ligação ao mundo rural e ao campo. Tenho convicções ecologistas e por isso não foi difícil tomar a decisão de viver nas Cachoeiras. É das aldeias mais bonitas que temos no concelho”, refere.

Trabalha na área das tecnologias de informação como programador e administrador de sistemas de informação. É um defensor dos softwares livres e gratuitos, que diz comportarem menos riscos para o público em geral face aos programas dos gigantes comerciais. Está a acabar de ler “A Selva”, de Ferreira de Castro. Gosta de ouvir jazz e sobretudo os clássicos, em CD e vinil, como Charlie Parker, Miles Davis e John Coltrane. Mas também ouve rock e música clássica.

Já fez algumas viagens de sonho, à Finlândia e Peru, por exemplo, onde percorreu o trilho Inca. Mas as viagens que mais o marcaram foram ao Nepal, onde esteve nos campos base de duas das montanhas mais altas do mundo: no Annapurna e no Evereste. “Subir até aos campos base foi muito duro mas também uma experiência fantástica. Adoro grandes montanhas e o Nepal é um país incrível de grandes contrastes”, recorda.

Tira-o do sério a insensibilidade à pobreza e ao sofrimento do seu semelhante. Carlos Patrão foi escolhido para ser, novamente, o rosto do Bloco de Esquerda na corrida à presidência da Câmara de Vila Franca de Xira nas próximas eleições autárquicas.

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