Sociedade | 12-06-2023 12:00

Doenças inflamatórias do intestino continuam a aumentar e não podem ser tabu

Doenças inflamatórias do intestino continuam a aumentar e não podem ser tabu
Cátia Dias foi diagnosticada com colite ulcerosa em 2020

Cátia Dias está a aprender a viver, desde há três anos, com uma colite ulcerosa. Sem tabus fala sobre os sintomas da doença que em fase de crise impactam a sua vida pessoal e profissional. As doenças inflamatórias do intestino afectam cerca de 25 mil pessoas em Portugal, manifestam-se sobretudo em jovens adultos e é preciso falar delas, alerta a gastrenterologista da CUF Santarém, Ana Lúcia Sousa.

Durante um mês, Cátia Dias passou noites em claro na casa-de-banho e os dias “dobrada no sofá” com dores abdominais, entre idas à urgência hospitalar. “Não é nada, é uma gastroenterite, ou foi alguma coisa que comeu” foram alguns dos comentários que ouviu antes de receber alta. A medicação que lhe era prescrita deixava-a ainda mais desconfortável. “Já não conseguia comer”, beber água causava-lhe náuseas e houve um dia em que contou as 12 vezes que foi à casa-de-banho.
A escalabitana, de 31 anos, recebeu ao fim desses 30 dias, e após se comprovar que estava a perder sangue, o resultado dos exames prescritos: colite ulcerosa, uma doença inflamatória do intestino que é crónica, que afecta primariamente o reto e se pode estender por todo o cólon, envolvendo apenas a camada mais interna do intestino e de forma contínua”, explica a gastrenterologista no Hospital CUF Santarém, Ana Lúcia Sousa.
Cerca de 25 mil portugueses vivem com doenças inflamatórias do intestino (DII) e há três anos que Cátia Dias é uma delas. Teve que aprender a conviver com as cólicas, o cansaço, as idas repentinas e urgentes à casa-de-banho, os tratamentos e os seus efeitos secundários. Durante o ciclo de cortisona engordou 16 quilos e nenhum “corpo está preparado para num mês e meio ganhar esse peso”. Actividades simples como subir escadas ou passear os cães deixavam-na ofegante e num cansaço desmedido. “Não conseguia fazer as coisas mais básicas, só estava bem deitada e isso deixava-me frustrada. Mexe muito com a cabeça”, diz nesta conversa realizada a propósito do Dia Mundial das DII, comemorado a 19 de Maio com o objectivo de consciencializar para a doença que tem vindo a aumentar globalmente e que compreende principalmente duas patologias: a doença de Crohn e a colite ulcerosa.
Na maioria dos doentes, explica a médica, a idade mais comum de início da manifestação dos sintomas é entre os 15 e os 30 anos. Apesar de não serem conhecidos os factores que levam ao aumento do número de doentes, “a alteração do estilo de vida e a modificação da flora intestinal serão muito provavelmente potenciadores” das DII, que “não têm cura”, mas cujo “diagnóstico precoce permite iniciar tratamento também precocemente, melhorando a qualidade de vida e diminuindo as complicações a longo prazo”, explica Ana Lúcia Sousa, referindo que o principal foco dos tratamentos é “manter o doente em remissão clínica”. Nos últimos anos, destaca, “tem existido muita investigação no que respeita a medicamentos biológicos”, tratamento intravenoso que Cátia Dias passou a fazer de dois em dois meses, depois de uma segunda crise, e que passou a ser, mais recentemente, a cada quatro semanas.

“Não vou a lado nenhum que não tenha bom acesso a casas-de-banho”
Foi durante o tratamento mensal no Hospital de Santarém que Cátia Dias tomou a decisão de começar a falar abertamente da doença e sobre como é viver com ela na sua página de Instagram. “Sobre muitas doenças muitas pessoas falam abertamente, mas sobre as doenças do cocó ninguém fala. O que vemos na Internet são artigos científicos, pesados, com termos técnicos e estou tanto tempo no hospital que pensei que poderia haver alguém a passar por isto e que podia ajudar de alguma forma” partilhando o testemunho. E desmistificar estas doenças, sublinha a médica Ana Lúcia Sousa, continua a ser impreterível, “até porque, infelizmente, algumas vezes os doentes chegam à consulta anos após o início das queixas”.
Na caixinha de perguntas que lança aos seus seguidores, Cátia Dias não se inibe em falar sobre as crises da doença, os 16 quilos que ganhou durante os tratamentos com cortisona, ou a sua preocupação constante em saber onde fica a casa-de-banho mais próxima. “Não vou a lado nenhum que não tenha de todo ou não tenha bom acesso a casas-de-banho”, diz, explicando que assim que chega a um lugar novo a primeira coisa que faz é “ver qual é o melhor trajecto” para lá chegar.
Além da “necessidade imperiosa em defecar”, explica a gastrenterologista, na colite ulcerosa outros dos sintomas predominantes são diarreia, muco com sangue e dor abdominal. Esta, tal como na doença de Crohn- que é caracterizada por episódios de diarreia, dor abdominal, perda de peso e cansaço- evolui por fases de ausência de sintomas (remissão) e de agravamento dos sintomas (crise) que “podem ter grande impacto na qualidade de vida e conduzir a abstinência laboral”.
Desde que foi diagnosticada com a doença crónica, Cátia Dias mudou duas vezes de trabalho, desta última para um “cargo de maior responsabilidade”, o que lhe causou “stress e noites mal dormidas”. O resultado? Uma segunda crise que a levou a ficar mais de dois meses em casa devido aos sintomas fortes e persistentes. “Foi o meu corpo que me ensinou a desacelerar e a não tentar controlar o que não está nas minhas mãos”. Porque, afinal, “quanto maior é o stress pior ficam os sintomas da doença”, diz.

Médica de gastrenterologia no Hospital CUF Santarém, Ana Lúcia Sousa

Risco de cancro é superior

Tanto na doença de Crohn como na colite ulcerosa, “quando existe envolvimento do cólon, o risco de cancro do intestino é superior à população em geral”, sobretudo quando “existe uma doença do fígado associada”, afirma a gastrenterologista que trabalha no Hospital CUF Santarém há oito anos. Ana Lúcia Sousa, explica que esta associação “depende da duração, da extensão e da actividade da doença” inflamatória do intestino, cujo aparecimento não se consegue prevenir.

Causas continuam a ser um mistério

As causas das DII permanecem por esclarecer. “Estão envolvidos múltiplos factores, nomeadamente genéticos, imunitários, ambientais, e relacionados com a flora intestinal e com o estilo de vida. Sabe-se, por exemplo, que fumar está associado ao aumento do risco da doença de Crohn, sendo também o tabaco um factor que aumenta a gravidade da doença e a necessidade de cirurgia”, explica a médica Ana Lúcia Sousa. Por se tratarem de doenças heterogéneas, tanto o diagnóstico como a terapêutica são muito particulares. “Não é igual para todos. Por exemplo, na alimentação eu é que tenho de experimentar o que posso ou não posso comer”, sustenta Cátia Dias, acrescentando que na sua lista de alimentos permitidos as laranjas ou alimentos muito condimentados deixaram de entrar.
Três anos após o diagnóstico, cada dia, continua a ser um desafio para a directora administrativa de um grupo de restaurantes. Mas “pior que saber o que se tem é não saber, porque aí nada se pode fazer” para melhorar a qualidade de vida. A sua família, grupo de amigos, colegas e superiores hierárquicos no trabalho, todos sabem da sua patologia, que é para a vida. “Não me sinto coitadinha nenhuma. Tenho que ter os meus cuidados, mas não é a doença que me vai impedir de me manter activa. Não há limites. Se a doença não incapacita não nos podemos incapacitar a nós mesmos por medo ou por vergonha”, diz.

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