Sociedade | 13-11-2023 07:00

Isabel Costa é uma das últimas costureiras a tricotar meias de campino

Isabel Costa é uma das últimas costureiras a tricotar meias de campino
Isabel Costa faz meias de campino desde os 13 anos e é funcionária da Câmara de Benavente há 20

As costureiras das meias altas que calçam os forcados, dançarinos do rancho e os campinos já são difíceis de encontrar no Ribatejo. Isabel Costa é uma das últimas a manter viva esta arte de entrelaçar os fios de algodão que são parte dos trajes e da identidade das gentes e tradições ribatejanas.

É num ateliê no piso térreo da casa que Isabel Costa dá seguimento a uma actividade que se vai perdendo com o passar dos anos em Benavente, onde nasceu e vive, e por todo o Ribatejo: tricotar meias em algodão branco para campinos, forcados e ranchos folclóricos. É uma arte rara pela qual a juventude deixou há muito de se interessar. “Qualquer dia não há quem faça. Não há quem queira aprender e quando as velhinhas se forem todas então não sei”, diz em jeito de lamento sem tirar os olhos compenetrados da meia que está a finalizar de linha e agulha na mão.
Sentada no sofá em frente à máquina de tricotar que o seu pai lhe deu quando tinha apenas 13 anos, Isabel Costa recorda, aos 59, os tempos áureos em que a sua mãe ensinava “umas 30 raparigas novas” a tricotar. Foi também Maria Leonor quem lhe ensinou a arte de entrelaçar as malhas. Aprendeu a fazer camisolas, conjuntos saia-casaco mas foram as meias de algodão branco mercerizado que fizeram dela uma costureira do mundo. “Fiz meias para ranchos do Luxemburgo, França, para um rancho à portuguesa na Califórnia fiz meias à moda do Ribatejo e do Algarve”, isto depois, explica, de ter recebido a primeira encomenda, para o Rancho Folclórico das Praias do Sado, de Setúbal.
Entre linhas e arrendados – os padrões tricotados nas meias que requerem concentração extra – Isabel Costa foi perdendo o interesse pelos livros, “para desgosto” do seu pai. Sonhava com a independência financeira e como as encomendas não paravam de chegar e cada par de meias leva “pelo menos oito horas” de trabalho na máquina de tricotar, fora os acabamentos feitos à mão, não sobrava tempo para a escola que deixou após o nono ano. “Só parava para comer e dormir. Chegava a estar dias e noites inteiras a fazer meias. Hoje sofro da coluna e sem óculos não vejo nada”, conta a funcionária da Câmara de Benavente e costureira nas horas vagas.
Há muito que deixaram de chover encomendas, mas ainda há quem não troque as meias de Isabel Costa por outras quaisquer. “Tenho um campino que só quer meias feitas por mim”. Dá-lhes uso no trabalho, lava-as em lixívia e leva-as de volta à costureira de Benavente ao fim de três ou mais anos para remendar. “Quando já não está boa descoso a costura, corto e torno a fazer a parte do pé. Ficam como novas, mas também quando já não vale a pena o remendo aviso logo”, explica.
Entristece-a que “hoje as pessoas não vão pela qualidade, mas pelo dinheiro”, ou seja, pelo mais barato que na sua opinião é sinónimo de mais ruim. “Já somos poucas a fazer no Ribatejo, diria que mais duas ou três, mas não são nada iguais às minhas na qualidade”, diz sem presunção na voz. Depois levanta-se para fazer prova do que diz mostrando os pares de meias - de homem, mulher e criança que cuidadosamente expôs numa mesa redonda coberta com um naperon, onde também assentam as gravatas de forcados e os barretes em miniatura que já teve à venda no museu municipal e em feiras.
Por estes dias fez dois pares que lhe foram encomendados e tem que “ir buscar umas de um campino para pôr pés novos”. A vontade em tricotar, garante, continua a ser a mesma da menina de 13 anos que fez o primeiro par e, embora lamente que se valorize pouco o que é feito de forma artesanal em detrimento do que é produzido em série pela indústria, nunca irá deixar de sentir orgulho nas meias arrendadas que calçam os dançarinos dos ranchos, os forcados e os campinos da Lezíria que gosta de ver passar nos desfiles etnográficos das festas ribatejanas. “Aquelas fui eu que fiz, digo logo. Identifico-as pelo arrendado e pela forma como estão cosidas”, remata.

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