Doença mental rouba muitos anos de vida
O Cartaxo recebeu o 10º Encontro de Intervenção Social do concelho que reflectiu sobre que respostas têm sido dadas na área da saúde mental. Profissionais concluíram que apesar de ser um problema não há recursos e maneira de fazer cumprir medidas que não saem do papel há décadas.
O 10º Encontro de Intervenção Social do concelho do Cartaxo debateu sobre as respostas que têm sido dadas a utentes e profissionais da área da saúde mental. A iniciativa realizou-se a 14 de Novembro no auditório da Quinta das Pratas. O painel teve a moderação de Clara André, professora da Escola Superior de Saúde de Santarém, e as intervenções da psicóloga da Unidade de Psicologia do Hospital de Santarém, Ana Castelo, do director técnico da Associação A Farpa, Henrique Lopes, e de Catarina Gomes, da Associação de Desenvolvimento Criativo e Artístico P28.
Ana Castelo trabalha nas áreas da psicologia, psiconcologia, psicologia dos cuidados paliativos, psicologia ocupacional e psicologia comunitária. Diz que a sua situação profissional é o reflexo dos poucos recursos existentes. A profissional apresentou uma série de estudos desde o início deste milénio e concluiu que foram poucos os progressos feitos em duas décadas. “Parece uma pescadinha de rabo na boca, vamos tendo indicadores e medidas que são sempre as mesmas. Todos os que trabalham na área fazem o melhor que conseguem com aquilo que têm”, desabafa a também fundadora e vice-presidente da Associação r.INseRIR, sediada no Hospital de Santarém.
Segundo os dados apresentados pela psicóloga, estima-se que em Portugal as perturbações psiquiátricas, incluindo demência e utilização de substâncias, tenham sido responsáveis por 12% dos anos de vida perdidos ajustados à incapacidade e 18% dos anos vividos com incapacidade. As perturbações depressivas e de ansiedade encontram-se na quarta e sexta posição, respectivamente, dos problemas de saúde que mais contribuem para a incapacidade. De acordo com a OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (2020), em média, um em cada nove adultos dos países da União Europeia apresenta sintomas de problemas psicológicos. “Perdem-se muitos anos de vida com doença mental. Quando existe uma série de eventos num curto período de tempo, como a morte de alguém, o desemprego, o empréstimo da casa a subir e os ordenados a manterem-se iguais, tudo isso são factores de stress que, quando adquirem intensidade severa ou persistem no tempo, podem levar a um diagnóstico de doença mental”, explica Ana Castelo.
Abuso de álcool e distúrbios alimentares
Nas regiões da Lezíria e Médio Tejo o crescente número de casos com diagnóstico de doença mental e a falta de respostas institucionais levaram a que se realizasse, em 2015, um diagnóstico da saúde mental nas duas áreas geográficas. As perturbações depressivas, o abuso de álcool, as demências e as alterações de memória são as situações apontadas como de maior prevalência. Dos 45 aos 65 anos predominam as psicoses, as perturbações depressivas e o abuso crónico de álcool. Nos mais jovens o abuso agudo de álcool e drogas, o suicídio/tentativa de suicídio e os distúrbios alimentares como a anorexia e bulimia. Ao nível dos cuidados de saúde primários, há maior registo de psicoses afectivas, orgânicas e outras não específicas nos concelhos de Santarém, Salvaterra de Magos e Coruche, tendo a esquizofrenia expressão nos concelhos de Coruche e do Cartaxo.
Até 2026 está prevista a abertura de 1.500 vagas em cuidados continuados para respostas do foro mental no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português e, até 2025, a criação de 40 novas equipas comunitárias de saúde mental para todo o país, sendo que o despacho a autorizar a criação das 10 equipas prometidas para este ano, cinco para adultos e cinco para a infância e a adolescência, ainda não foi publicado, avançou também o jornal Expresso em Outubro. Ana Castelo refere que, na reforma da área da saúde mental os 88 milhões de euros de investimento são, “mais de metade, para infraestruturas”. Em Maio deste ano, o secretário de Estado da saúde, Ricardo Mestre, deu conta de que no final de 2022 o Serviço Nacional de Saúde contabilizava 785 psiquiatras, mais 131 profissionais do que em 2018 e no mesmo ano eram 1.114 os psicólogos, um acréscimo de 13,2% face a 2018.
A Farpa realiza intervenção social diferenciada
O director técnico de A Farpa - Associação Familiares e Amigos do Doente Psicótico, Henrique Lopes, revelou a O MIRANTE que o projecto “InclusivaMente” está parado desde Junho à espera de financiamento. O projecto foca-se na criação de uma resposta social inclusiva ao doente psicótico e seus cuidadores. Combater o isolamento de um grupo estigmatizado pela sociedade e pela comunidade é o desígnio do projecto implementado em plena pandemia nos concelhos do Cartaxo, Santarém, Almeirim, Alpiarça, Coruche, Chamusca, Rio Maior e Salvaterra de Magos. De acordo com os dados disponibilizados, foram feitas 1854 intervenções junto de 151 pessoas dos oito concelhos. No Cartaxo estavam a ser acompanhadas 11 pessoas que tiveram de ser encaminhadas. A Farpa recebe três a quatro pedidos de ajuda mensalmente e vai mudar de instalações no final de Novembro para o centro de Santarém na esperança de conseguir aumentar a sua resposta. O fórum sócio-ocupacional de A Farpa é o único da Lezíria e tem capacidade para 10 utentes.