Programa “Aldeia Segura” prepara populações para se protegerem dos fogos
O concelho de Sardoal tem sido poupado a grandes incêndios desde que o programa “Aldeia Segura” foi implementado em quase todos os aglomerados urbanos.
Criado em 2018, o programa “Aldeia Segura” propõe estratégias de protecção dos aglomerados populacionais em caso de incêndios rurais e é executado no terreno por câmaras municipais, juntas de freguesia e Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil. Quando a agência Lusa visitou o concelho de Sardoal, o ponteiro do cartaz afixado à entrada da aldeia de Santa Clara, sede da freguesia de Alcaravela, situava o risco de incêndio no nível 4 (em 5) – “muito elevado”.
Situado num dos distritos, o de Santarém, com maior adesão ao “Aldeia Segura Pessoas Seguras”, Sardoal, com 95 quilómetros quadrados e 3.700 habitantes, gasta “perto de 10% do orçamento municipal em protecção civil”. Nuno Morgado, comandante dos bombeiros municipais e coordenador municipal da protecção civil no concelho de Sardoal, destaca que o programa tem no concelho uma aplicação de “quase de 100%”.
A sinalética espalhada pela freguesia de Alcaravela – com 14 aglomerados, todos no programa – não deixa dúvidas: há pontos de refúgio (exteriores), de abrigo (interiores) e de encontro (geralmente postes ou muros perto de paragens de autocarro, nos locais onde não existem condições para refúgios ou abrigos). “Estamos no interior do país, em que muitas destas aldeias sofrem de desertificação, muitos destes lugares têm uma ocupação mais ao fim-de-semana do que durante a semana”, lembra Nuno Morgado.
Hugo Gaspar e Fernando Inácio são os dois voluntários que prestam serviço enquanto oficiais de segurança local da aldeia de Santa Clara. “O oficial de segurança local tenta, no acto dos fogos, proteger as pessoas, levá-las para sítios onde elas estejam em segurança para não correrem riscos”, explica Hugo Gaspar, com 48 anos, dono de uma empresa florestal. “Tenho que saber as pessoas que moram aqui, se há ou não pessoas acamadas ou com mobilidade reduzida, para serem retiradas para o abrigo ou, caso seja preciso, serem retiradas com meios das forças de segurança”, explica, tendo nas costas o Largo da Feira, ponto de refúgio.
“É uma pessoa que deve conhecer bem a terra e os habitantes do lugar”, descreve o presidente da Câmara de Sardoal, Miguel Borges. “Aquilo que se pretende do oficial de segurança local é que, antecipadamente, se se perspectiva que o incêndio vai naquele caminho, directo a uma população, com muito tempo, com muita calma”, retire a população e “leve as pessoas para os locais de refúgio”, acrescenta.
Fernando Inácio, 59 anos, montador de peças automóveis, lembra-se de “incêndios terríveis, que chegaram de noite, vindos de outros concelhos, quando nem bombeiros havia”. Recordando que “ainda há um bocadinho de distância de aldeia para aldeia, diz que é essencial a partilha de informações entre todos os oficiais de segurança local, que, no concelho, ultrapassam o número exigido pelo “Aldeia Segura” (um por aglomerado). O autarca Miguel Borges recorreu à autonomia municipal para atribuir dois a cada local. “As pessoas têm direito a férias, a estar fora”, nota.
O concelho tem sido poupado a grandes incêndios desde que o programa foi criado e, por isso, Hugo e Fernando – dois dos 2.095 oficiais de segurança local – ainda não tiveram de entrar em acção, usando o megafone, a buzina do carro ou batendo à porta para mobilizar as pessoas para o refúgio, primeiro, e depois para o abrigo (escolas, igrejas, juntas). Isso não se deve apenas à sorte, acreditam, mas a uma aposta na prevenção.
Maria Inês Fernandes, 69 anos, habitante de Santa Clara, participou no último simulacro de incêndio realizado no âmbito do “Aldeia Segura”, no ano passado. Pediram-lhe para representar a proprietária que, apegada aos seus bens, se recusa a abandonar a casa, ameaçada pelo incêndio. Confessa que provavelmente reagiria dessa forma, mas reconhece que as autoridades conseguiram fazê-la mudar de ideias. Agora “está tudo mais limpo”, constata.
Com quase 92 anos, Maria Serras, habitante da aldeia, recorda os fogos passados: “A gente aqui, ao pé da porta, passava o incêndio, andava a augar tudo, tinha de se ir buscar água a um poço, quase vinha para a casa.” Nuno Morgado mostra como o terreno atrás das casas das senhoras está agora limpo, mais preparado para conter um incêndio como o de 1995. No último incêndio, em 2017, Noélia Rafael já não estava a trabalhar na cooperativa Artelinho, em Santa Clara, mas sabe que passou perto. “Está a melhor, nota-se as coisas mais limpas. Isto aqui era tudo cheio de eucaliptos em volta e agora não”, compara, avisada, porém, de que a ameaça é uma constante.