Os cartoons são o melhor antidepressivo para os tempos que correm; por isso a veia criativa deve ser assegurada. A convicção é de quem lhes dá vida, os cartoonistas, que voltaram a reencontrar-se, após a pandemia, na inauguração de mais uma edição do Cartoon Xira, em Vila Franca de Xira.
O Cartton Xira é um dos eventos nacionais mais importantes, que reúne no Celeiro da Patriarcal, até 5 de Junho, com entrada livre, os melhores desenhos de 2021, neste caso, ainda muito marcados pela pandemia e menos pela guerra na Europa. O mentor do Cartoon Xira, António Antunes, 68 anos, vive permanentemente com um alvo nas costas e já lhe chamaram de tudo, de anti-semita a anti-católico, mas nunca o conseguiram censurar. Quando colocou Donald Trump a passear Netanyahu com uma trela teve de cancelar uma viagem a Israel não fossem as ameaças virtuais tornarem-se reais. “Tive um convite para ir a Israel mas obviamente tive de adiar senão tornar-me-ia um alvo muito fácil”, diz em conversa partilhada com alguns convidados da sessão de inauguração da exposição. Poder ter uma voz activa na sociedade é das coisas que mais gosta enquanto cartoonista usando o seu traço para denunciar, criticar e rir de coisas sérias. “Aquilo que me interessa é ser eficaz e que o meu leitor me entenda. Não me auto-censuro, apenas adequo o meu trabalho ao meu público para ser bem compreendido”, garante.
Outro cartoonista ribatejano, o também vilafranquense Vasco Gargalo, 45 anos, admite que já se inspirou na tauromaquia para fazer sátira mundial. “Só ainda não usei nenhum autarca local”, confessa. Já lhe aconteceu perder o emprego em publicações que não gostaram dos seus desenhos. “Felizmente a maioria das publicações para quem trabalho em Portugal tiveram confiança no meu trabalho, mas as comunidades judaicas censuraram alguns cartoons que fiz em França”, lamenta.

“Nunca me censurarei em prol de um regime”
Residente em Portugal há três anos, Osmani Simanca, 61 anos, é o convidado internacional desta edição. Diz-se apaixonado pela Serra da Estrela, zona onde vive. Descreve Portugal como “um país lindo, de pessoas educadas, com óptima gastronomia, muita história, cultura e paisagens impressionantes”.
Começou a desenhar em criança; depois de sair de Havana, Cuba, procurou no Brasil a sua próxima casa. Afirma que durante décadas nada de mal se passou com o seu trabalho até à eleição de Jair Bolsonaro. O político brasileiro, diz, criou uma onda de censura que por várias vezes colocou o cartoonista entre a espada e a parede. “Nunca vou censurar o meu trabalho a favor de um partido ou de um regime. A verdade tem de ser dita”, garante. Por esse motivo abandonou o país.
Para Osmani Simanca as redes sociais têm revelado cada vez mais fundamentalistas e isso preocupa-o. Cuba e Brasil dão ao autor, hoje, “vontade de chorar”, pelo caminho errado que diz estarem a seguir. “Cada dia estão mais longe da democracia”, lamenta.
Criada em 1999, o Cartoon Xira está patente no Celeiro da Patriarcal e apresenta trabalhos de António Antunes, André Carrilho, Cristina Sampaio, João Fazenda, Vasco Gargalo, António Maia, Henrique Monteiro, Rodrigo Matos, Cristiano Salgado, Nuno Saraiva e Pedro Silva. “Independentemente do país ou do seu regime, há sempre aqueles que têm um olhar acutilante, que sintetizam num traço o que a maior parte das pessoas não quer ver ou o que todos vêem mas ninguém diz. Essa semente de liberdade é recebida aqui por nós em Vila Franca de Xira com a maior honra”, afirmou o presidente do município, Fernando Paulo Ferreira, no discurso de abertura.