Sociedade | 24-02-2022 07:00

Moita Flores começa a ser julgado por obras que mandou fazer ilegalmente

Moita Flores disse ao tribunal que o actual presidente de Santarém o quer tramar

Ex-presidente da Câmara de Santarém é acusado de ter mandado fazer obras sem cumprir os procedimentos legais.

Responde ainda por ter feito contratos de factoring com um banco, no valor de 500 mil euros, que foram pagos de forma irregular à empresa. O banco fez o pagamento através de documentos assinados apenas por Moita Flores quando era obrigatória a segunda assinatura da tesoureira do município.

O ex-presidente da Câmara de Santarém, Moita Flores, diz-se injustiçado e foi a tribunal defender-se de obras ilegais que mandou fazer com uma teoria da conspiração, alegando que o seu sucessor, Ricardo Gonçalves, o quer tramar. Moita Flores foi acusado pelo Ministério Público de crimes de prevaricação de titular de cargo político e crimes de participação económica em negócio, pediu a instrução do processo e a juiz que reavaliou o caso considerou haver uma “clara evidência” de que no mandato de Moita Flores foram entregues obras a uma empresa sem se cumprirem as normas legais.
Moita Flores argumenta que quando saiu da câmara deixou preparada uma proposta para nomeação de uma comissão de arbitragem para avaliar os trabalhos que tinham sido feitos e negociar uma indemnização à empresa A. Machado & Filhos, que tinha interposto um processo no tribunal administrativo para ser ressarcida dos trabalhos uma vez que a câmara não podia pagar por ilegalidades no processo de contratação das obras. Mas Ricardo Gonçalves contrapõe garantindo que nomeou um técnico e que o problema foi que o executivo de Moita Flores nunca contestou o processo em tribunal levando a que a autarquia fosse condenada a pagar dois milhões de euros à empresa.
Em causa estão ajustes directos em contratos realizados com a empresa A. Machado & Filhos, escolhida para adaptar um dos edifícios da antiga Escola Prática de Cavalaria (EPC) para acolher um Serviço de Atendimento à Gripe A (SAG), sem conclusão dos procedimentos legais, obra que foi depois suspensa (por se ter verificado não existir pandemia), com o espaço a ser adaptado para acolher serviços municipais. A empresa acabou por fazer essa adaptação e outras intervenções em edifícios da antiga EPC, que a investigação concluiu terem sido contratadas verbalmente e realizadas sem qualquer intervenção ou acompanhamento por parte dos técnicos da autarquia, à excepção do arquitecto António Duarte, com conhecimento de Moita Flores.
O ex-autarca é também acusado de ter assinado dois contratos de ‘factoring’, obrigando o município a pagar ao BCP duas facturas, de 300 mil e de 200 mil euros, assumindo despesas no valor de 500 mil euros “sem contrato que a justificasse e sem a intervenção do Tribunal de Contas”. O cheque foi apenas assinado por Moita Flores quando é obrigatório conter também a assinatura da tesoureira. Mesmo com esta irregularidade o banco pagou o montante à empresa, mas o actual presidente recusou-se a pagar ao banco e avançou com um processo judicial.
Moita Flores bateu várias vezes no facto de a denúncia ter sido feita 25 meses depois de ter renunciado às funções na câmara. Ricardo Gonçalves justificou que ficou surpreendido quando em 2014 soube que a contestação não fora feita apesar de estar convencido de que iria ser apresentada. O autarca explicou ainda que quando assumiu a presidência, no final de 2012, herdou de Moita Flores um município com uma das dívidas mais elevadas do país, na ordem dos 100 milhões de euros, e que era confrontado diariamente com dívidas para pagar estando os serviços “atafulhados”.

À Margem

Moita Flores entre a vitimização e a arrogância

A postura de Moita Flores em tribunal oscilou entre a vitimização e a arrogância. O ex-autarca passou a maior parte do tempo a desculpar-se atirando culpas para o seu sucessor por este ter demorado a apresentar queixa e referindo várias vezes que querem atacar o seu nome. Mas quando era questionado sobre pormenores relacionados com os factos dizia que não se lembrava ou dava respostas evasivas. Moita Flores mostrou toda a sua habilidade a usar as palavras e a fazer um autêntico discurso em que jogou com emoções, no que mais parecia uma monólogo teatral, o que fez com que a juíza presidente do colectivo chamasse a atenção que o que interessa para o julgamento são os factos. A arrogância manifestou-se quando começou a ser questionado pela procuradora do Ministério Público. O advogado de Moita Flores pediu para falar com ele e saíram ambos da sala. Ao fim de uns minutos regressam ao julgamento e o ex-presidente da Câmara de Santarém dirige-se à procuradora dizendo que não responde mais a provocações e insultos do Ministério Público. A procuradora vincou então que as palavras do arguido eram duras e que a situação iria ter consequências deixando a sua indignação expressa em acta.
Já antes, Moita Flores tinha mostrado a sua intenção de dominar o tempo e modo como fazia o seu depoimento ao dizer que não respondia a questões do advogado que representa a câmara. Recorde-se que Moita Flores aceitou falar ao tribunal quando podia ter decidido não o fazer no início da audiência, pois manter-se em silêncio é um direito que assiste aos arguidos. A juíza, depois de ouvir o que o ex-autarca queria dizer, advertiu-o que de seguida iria responder às perguntas do Ministério Público e dos advogados, mas este retorquiu de imediato que estava disponível mas não respondia “àquele senhor que representa o denunciante”. Em mais um golpe de teatro, num depoimento que se notou ter sido preparado com muito tempo, o ex-autarca levou um caderno escrito com a sua argumentação e após ter feito as declarações ao colectivo de juízes, disse que queria juntar o escrito ao processo “para ficar como memorial”. O caderno acabou por ser entregue por Moita Flores a um jornalista à porta do tribunal quando o julgamento estava para se reiniciar após a interrupção para o almoço.
Outra questão que não deixou de ser curiosa foi quando Moita Flores argumentou que a Direcção Geral da Saúde tinha pedido para que as obras fossem discretas realçando mesmo que quem tinha as chaves da Escola Prática de Cavalaria era o vereador Vítor Gaspar, já falecido, e que ninguém, nem o próprio presidente, entrava no espaço sem que ele fosse abrir a porta. Mas o assunto não foi assim tão sigiloso porque houve notícias nos jornais sobre a instalação do serviço divulgadas pela própria câmara a que presidia.

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