Sociedade | 27-06-2022 21:00

Muitos jovens de Azambuja não têm perspectivas de trabalhar e viver no concelho

Alunos da associação de estudantes querem ser ouvidos pela direcção da escola e por quem governa

Viajam de comboio durante uma hora para ir a uma discoteca ou ao cinema. Frequentam uma escola que é provisória há quatro décadas e temem a precariedade laboral traduzida em empregos não qualificados. Os jovens da Associação de Estudantes da Secundária de Azambuja dizem que metade dos alunos não tem perspectivas de trabalhar e viver no concelho.

Nasceram rodeados de tecnologia e não imaginam um mundo sem Internet, mas no concelho de Azambuja, onde estudam e vivem, os jovens não têm acesso a uma sala de cinema, discotecas ou uma escola secundária que lhes garanta todas as condições ao nível da oferta educativa e de espaços básicos como um pavilhão desportivo. O MIRANTE foi perceber junto dos membros da Associação de Estudantes da Escola Secundária de Azambuja o que querem, do que gostam, do que reclamam e que preocupações têm os jovens que moram a 50 quilómetros de Lisboa.
Beatriz Corrêa tem 18 anos e prepara-se para dar o salto para o ensino superior. Durante este ano assumiu a missão, enquanto presidente da associação de estudantes, de tentar fazer valer junto da direcção da escola os seus pontos de vista. E embora encare esta experiência como uma mais-valia para o futuro chegou rapidamente à conclusão que a palavra de um jovem vale pouco hoje em dia. “É difícil sermos levados a sério e isso abala a nossa confiança. Os jovens precisam de ser ouvidos, de passar as suas ideias e necessidades. Queremos ser uma comunidade activa mas têm de nos deixar participar”, afirma, admitindo o receio de que nos próximos anos a associação de estudantes se extinga por falta de alunos interessados.
No ADN desta associação de estudantes há temas fracturantes e outros que foram esquecidos ou colocados de lado ao longo dos anos por quem dirige a escola e por quem governa o concelho e o país. É disso exemplo, lembra Beatriz Corrêa, o facto de a Secundária de Azambuja ser uma “escola provisória há 40 anos” e de nem a administração central nem a local terem ao longo de anos priorizado a sua requalificação que deverá, finalmente, acontecer até 2024.
A Câmara de Azambuja, prossegue Beatriz Corrêa, “mesmo não tendo essa obrigação devia ter avançado pelo menos com a construção de um pavilhão de educação física porque estamos a falar de dar condições aos jovens que são deste concelho”. A presidente da assembleia, Mafalda Lopes, acrescenta: “Há dinheiro para fazer a Feira de Maio, que custa milhares de euros, mas ao longo de anos não houve dinheiro para priorizar a educação”.
Também o vice-presidente, Salvador Ventaneira, enumera vários problemas que carecem de uma solução, nomeadamente no que respeita ao atraso ou falha nos transportes disponibilizados pela autarquia para que os alunos possam deslocar-se em tempo útil e em segurança para terem aulas de educação física no estádio municipal uma vez que não têm um pavilhão na escola. Também a falta de espaço e de privacidade nos balneários escolares têm motivado queixas por parte dos alunos, que acabam por preferir vestir-se nas casas-de-banho da escola. “Num dos balneários não cabem mais de três alunos”, explica, sublinhando que a maioria se priva de tomar banho na escola depois da prática de actividade física por falta de condições.
A conversa decorre numa sala de aula convencional por ser difícil o acesso e a comodidade na sala que a direcção atribuiu à associação. “Basicamente foi-nos cedida uma sala de arrumações, cheia de cadeiras, mesas e quadros que não podemos mudar de sítio e para onde temos de entrar por uma janela, isto se não houver aulas a decorrer”, alerta Mafalda Lopes, lamentando que só se lembrem da associação de estudantes quando precisam de passar alguma mensagem aos alunos ou quando querem promover alguma iniciativa.
Levando o tema de conversa para fora dos portões da escola esta geração de jovens azambujenses diz não compreender o porquê de terem que se deslocar a Lisboa para ir ao cinema ou a uma discoteca, o que implica, neste último caso, só poderem regressar a casa de comboio no dia seguinte levando a que pais torçam o nariz a saídas à noite. Beatriz Corrêa reconhece, no entanto, que a Junta de Freguesia de Azambuja tem feito um esforço para agradar aos jovens tendo levado a cabo um festival da juventude.

Emprego qualificado e habitação acessível são preocupações

A dificuldade no acesso ao emprego qualificado e à habitação digna a preços acessíveis são as duas grandes preocupações dos jovens num concelho que está rotulado como a capital da logística. E essa espécie de estatuto é, na opinião destes jovens, redutora e um entrave à fixação de outro tipo de empresas, nomeadamente de áreas como a tecnologia e engenharia biomédica. “A maior parte dos alunos desta escola diz que quer sair de Azambuja e não tem perspectivas de voltar”, alerta Beatriz Corrêa, que se prepara para concorrer ao curso superior de Direito e já pensa em deixar o país depois de concluir os estudos.
“Não há dúvidas que a maioria dos jovens de Azambuja, mesmo os que tiram cursos superiores e voltam, acabam a trabalhar nos armazéns da logística porque não têm outra alternativa”, vinca Mafalda Lopes, confessando que gostava de voltar a viver em Azambuja depois de concluir o ensino superior. Beatriz Barroso, que tem como objectivo estudar e exercer psicologia, destaca ainda a necessidade de garantir e reestruturar a oferta educativa, que não tem correspondido às expectativas. “Muitos dos alunos queriam ir para Artes mas acabaram por ficar e inscrever-se em Humanidades, contrariados, e vão fazer exames nacionais de disciplinas que nunca tiveram para poderem concorrer ao curso que querem no ensino superior”, explica, acrescentando que há jovens que têm possibilidade e vão estudar para concelhos limítrofes.

Jovens querem uma escola mais inclusiva

Ao longo do ano lectivo a associação de estudantes preocupou-se com temas como a violência no namoro, o bullying, a higiene feminina e a comunidade LGBTQIA +. No que respeita a este último, Beatriz Corrêa conta que chegaram a levar um caso particular a discussão numa reunião do conselho-geral da escola por considerarem que se tratava de discriminação. Em causa está a recusa por parte de alguns professores em tratar um aluno transexual por um nome masculino – a pedido deste – apesar de o seu registo ainda ter um nome feminino.
Os casos de bullying que vão existindo, dá conta a presidente da direcção, incidem precisamente sobre pessoas da comunidade LGBTQIA+ que sofrem com “comentários que se vão normalizando e não deviam” e ainda pela existência de “mentes retrógradas”. A colocação de um espelho na casa-de-banho masculina e de um kit SOS na feminina, com produtos de higiene íntima como pensos e tampões, foram outras das medidas que estes alunos puseram em prática.

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