Sociedade | 03-10-2022 12:00

Ocupações ilegais na Várzea de Vialonga são “atentado ambiental”

José António Gomes foi durante vários anos crítico da situação de ilegalidade que perdura na várzea de Vialonga

Novas vozes se erguem a condenar o estado de impunidade de várias empresas que construíram instalações na várzea de Vialonga à margem das restrições do Plano Director Municipal. Autarcas não têm dúvidas e dizem que o que está a acontecer é um drama ambiental.

O município de Vila Franca de Xira vai, na sequência da última reportagem de O MIRANTE sobre as ocupações ilegais na várzea de Vialonga, solicitar uma intervenção das autoridades do Estado numa tentativa de repor a legalidade nessa zona. Em causa estão construções que ali foram feitas por diversas empresas à revelia das regras do Plano Director Municipal (PDM).
Naquela zona classificada como Reserva Ecológica Nacional (REN), onde não é permitida construção, há parques de camiões, de contentores, de bidões e outros materiais. A constatação é deixada pelo presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Fernando Paulo Ferreira, depois de novamente questionado sobre o assunto e numa semana em que várias vozes condenam o que está a acontecer naquele espaço.
“Temos assistido a uma ocupação selvagem e sem o mínimo de condições e a um fechar de olhos por parte das diversas entidades fiscalizadoras. É um crime ambiental que está instalado e ninguém toma medidas”, considera José António Gomes, ex-presidente da Junta de Vialonga. Actualmente afastado da vida política, o autarca foi uma voz activa durante 12 anos na defesa pela reposição da legalidade na várzea mas hoje confessa que a luta foi inglória. “Não deu em nada. A câmara dizia-me sempre que a fiscalização estava a actuar, mas quando falava com os fiscais eles diziam que até ameaças de morte recebiam dos empresários. De forma que levantavam os autos, entregavam nas chefias e os assuntos morriam na gaveta”, critica.


Tem faltado vontade política
O engenheiro do ambiente Hélder Careto, que trabalha no GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente e que foi líder da Comissão de Ambiente, Economia e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira no último mandato, também não tem dúvidas: há um atentado ambiental em curso. “Qualquer ocupação de uma zona húmida daquela dimensão é um problema muito sério que traz implicações severas e que são muito difíceis de resolver. Incluindo problemas decorrentes da impermeabilização dos solos e riscos de inundações dos terrenos próximos”, alerta.
O ex-autarca lembra que a fiscalização municipal devia ter actuado rapidamente e avançado com processos de embargo logo no início das ocupações, algo que não parece ter sido feito. “Temos hoje um problema muito difícil de resolver mas que não é impossível. É preciso apenas vontade política, que é o que tem faltado. Há um conjunto de entidades da administração pública que podiam ter actuado e não o fizeram”, critica Hélder Careto.
A O MIRANTE, a Inspecção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) diz não ter recebido ainda nenhuma denúncia sobre as ocupações ilegais e evoca o Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional para dizer que o assunto compete também à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, ao município e à Agência Portuguesa do Ambiente, entidades responsáveis pela fiscalização e adopção de medidas de reposição da legalidade.

Atenção aos terrenos à venda
Apesar das restrições à construção há quem tenha terrenos à venda no local. O actual presidente da Junta de Vialonga, João Tremoço, partilha das preocupações do antecessor mas diz não compreender como é que a várzea no concelho de Loures já não está classificada como solo protegido. “Não faz sentido”, critica.
Já o presidente da Câmara de VFX, Fernando Paulo Ferreira, garante estar muito preocupado e atento à situação acompanhando-a de perto. Diz que os compradores de terrenos na várzea “deverão estar plenamente conscientes das condicionantes e limitações ambientais” do espaço e da total “impossibilidade de edificação”. Num assunto de grande “complexidade jurídica e económica”, onde o autarca já confessou serem precisos muitos milhões do erário público para resolver, diz que os serviços jurídicos e de fiscalização estão a efectuar uma reavaliação das ocupações revisitando os processos para os actualizar, renovar as actuações contra-ordenacionais e pedir maior intervenção das entidades nacionais de fiscalização ambiental.

À Margem

Burocracia favorece ilegalidade

A Várzea de Vialonga é apetecível a todos os níveis do ponto de vista económico e industrial. É um terreno plano, próximo do mercado abastecedor de Lisboa, a minutos das principais vias de comunicação e com espaço a rodos para tudo o que se possa imaginar. É, no entanto, uma área protegida que não teve, ao longo das últimas décadas, a atenção que deveria ter tido por parte dos órgãos fiscalizadores que levou a que os processos se arrastem em tribunal ou nos gabinetes da fiscalização municipal. Entidades como o IGAMAOT ou a Agência Portuguesa do Ambiente já deviam ter ido ao local e actuar. Não o fazendo estão a passar a imagem de que o crime compensa e, se nada for feito, mais ocupações ilegais vão acontecer no futuro.

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