Ocupações ilegais na Várzea de Vialonga são “atentado ambiental”
Novas vozes se erguem a condenar o estado de impunidade de várias empresas que construíram instalações na várzea de Vialonga à margem das restrições do Plano Director Municipal. Autarcas não têm dúvidas e dizem que o que está a acontecer é um drama ambiental.
O município de Vila Franca de Xira vai, na sequência da última reportagem de O MIRANTE sobre as ocupações ilegais na várzea de Vialonga, solicitar uma intervenção das autoridades do Estado numa tentativa de repor a legalidade nessa zona. Em causa estão construções que ali foram feitas por diversas empresas à revelia das regras do Plano Director Municipal (PDM).
Naquela zona classificada como Reserva Ecológica Nacional (REN), onde não é permitida construção, há parques de camiões, de contentores, de bidões e outros materiais. A constatação é deixada pelo presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Fernando Paulo Ferreira, depois de novamente questionado sobre o assunto e numa semana em que várias vozes condenam o que está a acontecer naquele espaço.
“Temos assistido a uma ocupação selvagem e sem o mínimo de condições e a um fechar de olhos por parte das diversas entidades fiscalizadoras. É um crime ambiental que está instalado e ninguém toma medidas”, considera José António Gomes, ex-presidente da Junta de Vialonga. Actualmente afastado da vida política, o autarca foi uma voz activa durante 12 anos na defesa pela reposição da legalidade na várzea mas hoje confessa que a luta foi inglória. “Não deu em nada. A câmara dizia-me sempre que a fiscalização estava a actuar, mas quando falava com os fiscais eles diziam que até ameaças de morte recebiam dos empresários. De forma que levantavam os autos, entregavam nas chefias e os assuntos morriam na gaveta”, critica.
Tem faltado vontade política
O engenheiro do ambiente Hélder Careto, que trabalha no GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente e que foi líder da Comissão de Ambiente, Economia e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira no último mandato, também não tem dúvidas: há um atentado ambiental em curso. “Qualquer ocupação de uma zona húmida daquela dimensão é um problema muito sério que traz implicações severas e que são muito difíceis de resolver. Incluindo problemas decorrentes da impermeabilização dos solos e riscos de inundações dos terrenos próximos”, alerta.
O ex-autarca lembra que a fiscalização municipal devia ter actuado rapidamente e avançado com processos de embargo logo no início das ocupações, algo que não parece ter sido feito. “Temos hoje um problema muito difícil de resolver mas que não é impossível. É preciso apenas vontade política, que é o que tem faltado. Há um conjunto de entidades da administração pública que podiam ter actuado e não o fizeram”, critica Hélder Careto.
A O MIRANTE, a Inspecção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) diz não ter recebido ainda nenhuma denúncia sobre as ocupações ilegais e evoca o Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional para dizer que o assunto compete também à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, ao município e à Agência Portuguesa do Ambiente, entidades responsáveis pela fiscalização e adopção de medidas de reposição da legalidade.
Atenção aos terrenos à venda
Apesar das restrições à construção há quem tenha terrenos à venda no local. O actual presidente da Junta de Vialonga, João Tremoço, partilha das preocupações do antecessor mas diz não compreender como é que a várzea no concelho de Loures já não está classificada como solo protegido. “Não faz sentido”, critica.
Já o presidente da Câmara de VFX, Fernando Paulo Ferreira, garante estar muito preocupado e atento à situação acompanhando-a de perto. Diz que os compradores de terrenos na várzea “deverão estar plenamente conscientes das condicionantes e limitações ambientais” do espaço e da total “impossibilidade de edificação”. Num assunto de grande “complexidade jurídica e económica”, onde o autarca já confessou serem precisos muitos milhões do erário público para resolver, diz que os serviços jurídicos e de fiscalização estão a efectuar uma reavaliação das ocupações revisitando os processos para os actualizar, renovar as actuações contra-ordenacionais e pedir maior intervenção das entidades nacionais de fiscalização ambiental.
À Margem
Burocracia favorece ilegalidade
A Várzea de Vialonga é apetecível a todos os níveis do ponto de vista económico e industrial. É um terreno plano, próximo do mercado abastecedor de Lisboa, a minutos das principais vias de comunicação e com espaço a rodos para tudo o que se possa imaginar. É, no entanto, uma área protegida que não teve, ao longo das últimas décadas, a atenção que deveria ter tido por parte dos órgãos fiscalizadores que levou a que os processos se arrastem em tribunal ou nos gabinetes da fiscalização municipal. Entidades como o IGAMAOT ou a Agência Portuguesa do Ambiente já deviam ter ido ao local e actuar. Não o fazendo estão a passar a imagem de que o crime compensa e, se nada for feito, mais ocupações ilegais vão acontecer no futuro.