Sociedade | 19-07-2022 12:00

Póvoa de Santa Iria é apaixonada por teatro e pelo Grémio

Marlene Barreto é um rosto conhecido da televisão e do teatro que se apaixonou pelo Grémio Povoense e as gentes da cidade

Marlene Rodrigues Barreto é um rosto conhecido da ficção e do teatro nacional. Já apresentou programas televisivos, participa em novelas e é um dos rostos que dinamiza o Grémio Dramático Povoense. É directora artística, criadora e actriz no Casulo, o pólo de teatro profissional do Grémio e formadora na Palco, a escola de actores que o Grémio criou em 2014 e onde já estão mais de 30 alunos. Na sua primeira entrevista a O MIRANTE, na Praia dos Pescadores, num dia de calor intenso, fala da ditadura da imagem, da ligação à comunidade e a luta feminista.

Os povoenses são uma comunidade apaixonada pelo teatro e sentem o Grémio Dramático Povoense (GDP) como seu e já não imaginam a cidade sem essa colectividade. A convicção é de Marlene Barreto, actriz, directora artística e encenadora. Marlene é um rosto conhecido da ficção televisiva nacional e do teatro e quase toda a gente já terá visto a dada altura o seu rosto em anúncios publicitários ou em novelas como Quero é Viver e Festa é Festa. Para trás ficou também a apresentação de programas como o Beat Generation, da antiga TVI24, o Deluxe, da TVI, ou a Dance TV, da SIC Radical.
Mas na Póvoa de Santa Iria é pela sua ligação ao Grémio que é mais conhecida e acarinhada. “Às vezes estamos a ensaiar e há alguém que aparece a pedir um cafezinho e a querer assistir. As pessoas são muito apaixonadas por teatro na Póvoa e têm sempre um grande interesse pelo que acontece no Grémio. Até à pandemia esgotávamos sempre as salas, fazendo duas a três apresentações por espectáculo, o que é muito bom numa sala que tem apenas 80 lugares”, conta.
A mulher apaixonada pelos finais de tarde na zona ribeirinha da Póvoa destaca a cidade como terra de gente simpática e carinhosa. “Somos uma cidade onde podes beber o café e pagares ao final da tarde porque toda a gente te conhece”, confessa.
A actriz lembra que graças ao dinamismo da direcção do Grémio, liderada por Jorge Feliciano, a associação cresceu para lá da sua capacidade com a criação de um grupo profissional de teatro (Casulo), mantendo o teatro amador e lançando também a Palco Escola de Teatro e o Laboratório P, virado para as artes performativas. Fazer tudo isso num edifício com pouco espaço é um desafio permanente. “Começa a haver muita actividade para apenas uma sala de ensaio. É uma questão que teremos de tentar resolver dentro de pouco tempo”, confessa.
Natural de Loulé, no Algarve, Marlene Barreto, 38 anos, mudou-se para Lisboa para estudar Comunicação Social na Universidade Católica enquanto perseguia o sonho de ser actriz. Passou uma temporada no Rio de Janeiro a estudar artes cénicas – onde conheceu a sua actriz de eleição, Glória Pires – e regressou a Portugal onde contactou com o Grémio pela primeira vez e nunca mais saiu. No Casulo dá asas à criação teatral de exploração, investigação e laboratório de novas linguagens e cruzamentos artísticos. “Temos imensa vontade de trabalhar com a comunidade e a inserir nos nossos espectáculos”, conta.
Já encenou várias peças, a última delas a “Aquário”, a primeira de uma trilogia sobre o pessimismo. “Encenar foi uma experiência aterradora e maravilhosa ao mesmo tempo. Gosto de trabalhar os projectos a 360 graus e meter a mão na massa, correr todas as capelinhas e ter uma voz activa em tudo”, confessa a O MIRANTE. Recentemente começou também a preparar as memórias do Grémio falando até com quem privou com um dos seus grandes mentores, o já falecido Fernando Augusto.
“Todos sabemos que a área artística não gera lucro nem retorno financeiro, dependemos muito dos apoios das entidades autárquicas e estatais. Por isso se não houver produtividade dos agentes locais não existe retorno. Todos trabalhamos num objectivo e propósito único que é o amor ao teatro”, explica.

O melhor que se pode dizer
a um machista
O concelho de Vila Franca de Xira é um privilegiado por ter tantos grupos de teatro, amadores e profissionais, considera Marlene Barreto. “Somos uma zona privilegiada ao estar ao lado de Lisboa e termos todo este dinamismo”, conta a actriz cujo sonho é vir a realizar cinema. Está a finalizar o documentário “Isolamento Obrigatório”, produzido no Grémio durante a pandemia. “A mulher tem um olhar e sensibilidade diferente na realização. Até aos últimos anos sempre tivemos um lugar mais suprimido na criação mas estamos a começar a ganhar uma voz activa”, conta a O MIRANTE a mulher a quem a falta de compromisso a tira do sério. Perfeccionista e feminista, Marlene Barreto diz que a luta pela igualdade de género continua.
“A luta pela igualdade de direitos é algo que está a ser feito ao longo do tempo. É continuando a falar sobre os preconceitos e fazendo arte sobre eles que os quebramos. Tenho o mesmo direito que tu é o melhor que se pode dizer a um machista. Estamos cá para defender o nosso lugar da mesma forma que os outros. Temos de continuar a trabalhar no nosso lugar e não provar nada a ninguém”, defende. No Algarve juntou-se agora a um colectivo de mulheres que lançou o projecto “Virgínias”, que visa dar voz a textos escritos por mulheres cisgénero, trans e não-binárias.
“Não é porque uma pessoa não se sente dentro do género que não está integrada no conceito de mulher. Não podemos ter medo de dizer que somos mulheres. Embora dizer que somos do género feminino já seja mais perigoso. É uma luta que continua”, explica a actriz para quem a arte pode ser o melhor veículo para a afirmação da mulher numa sociedade ainda muito patriarcal e onde muita ficção ainda tem por base essa premissa.

A ditadura da imagem

Marlene Barreto é uma apaixonada pela representação mas não é capaz de ser imune a analisar o mundo que a rodeia. É uma profissão onde é preciso trabalhar bastante e provar o valor todos os dias mas, lamenta, a ditadura da imagem continua a ser uma pedra no sapato por resolver. “A ditadura da imagem continua a diferenciar uma actriz gorda de uma magra. Não se escolhe a melhor actriz, escolhe-se pela imagem. Infelizmente muitas vezes continua a preferir-se a imagem ao conteúdo”, lamenta. Marlene Barreto é ela própria vítima desse sistema forçando-se a fazer sacrifícios para manter a linha. Nos últimos meses engordou alguns quilos e já foi chamada à atenção que se esse rumo continuar deixará de ter trabalho no ecrã. “Tenho rabo, ancas e peito, é algo inerente a cada pessoa, por isso são tudo questões delicadas”, confessa.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1657
    27-03-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1657
    27-03-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo