Sociedade | 04-07-2022 12:00

Um filho do associativismo de Alverca que se tornou num virtuoso da concertina

Vítor Rosa está desde a infância ligado à Casa do Povo de Arcena, onde é professor na escola de concertina e acordeão

O acordeão e a concertina já não são instrumentos de velhos e estão a renascer a toda a força na Escola de Música da Casa do Povo de Arcena pelas mãos do professor Vítor Rosa, um virtuoso dos instrumentos de fole que já tocou com artistas famosos como Eugénia Lima ou Tino Costa e passou por programas televisivos. Na sua primeira conversa com O MIRANTE fala da importância e do valor acrescentado de saber música nos tempos que correm.

Aprender acordeão é aprender a tocar com duas mãos um instrumento cuja sonoridade e funcionamento se assemelha a ter uma pequena orquestra ao peito, defende Vítor Rosa, 38 anos, professor da Escola de Concertina e Acordeão da Casa do Povo de Arcena (CPA) em Alverca.
Considerado pelos seus pares como um dos mais virtuosos acordeonistas nacionais, Vítor Rosa considera que apesar de uma queda abrupta na sua popularidade nos últimos anos o acordeão não só não morreu como está agora a ser muito procurado. Na CPA já ensina mais de duas dezenas de pessoas, adultos e crianças. Natural de Alverca e a residir no Sobralinho, Vítor Rosa diz-se um produto do associativismo. Foi na CPA que começou a aprender música e ainda hoje faz parte dos órgãos sociais. “A importância de aprender acordeão e concertina às portas de Lisboa é uma forma de nos ligarmos à nossa própria identidade, o nosso lado emocional, exploratório e criativo das nossas raízes”, conta a O MIRANTE.
O músico começou com outro instrumento semelhante ao acordeão, o piano, que também é tocado recorrendo a duas pautas com claves diferentes (sol e fá). Um dia, quando estudava, foi desafiado a tocar um acordeão para uma apresentação em substituição de outro aluno e nunca mais o largou. “É um instrumento muito completo, acústico e que revela a nossa alma enquanto tocamos. É dos instrumentos onde mais se revela a entrega e destreza do músico. É como termos uma orquestra completa nas nossas mãos”, revela.
Quando um dia foi desafiado por Vasco Simões, outro músico de Arcena, para se dedicar à concertina e dessa forma ajudar o rancho estava longe de imaginar que iria ganhar outra paixão. Isto porque no mundo da música passar de acordeão para concertina é visto quase como passar de cavalo para burro, já que o acordeão tem a escala completa, a chamada escala cromática, com 12 notas musicais. Já a concertina é limitada e funciona numa escala diatónica, ou seja, só tem os sete sons principais da música, de dó a si. “Vi um mundo novo de improvisação. É com base nas limitações que potenciamos a nossa criatividade”, confessa.

Sem paixão e paciência não há resultados
Vítor Rosa diz que a saída de moda dos instrumentos de fole nas últimas décadas se deveu à abertura a novos géneros musicais vindos do estrangeiro. “Isso desligou a juventude do passado, dos instrumentos ligados à nossa etnografia e linguagem cultural do Estado Novo. Hoje já não é assim e vemos acordeões e concertinas ligados a correntes como o jazz e a música clássica”, conta.
São instrumentos que não servem apenas para tocar música folclórica, garante. Vítor Rosa diz que o passado deixou grandes referências mas que há novos acordeonistas promissores a chegar, como Nelson Conceição, Hermenegildo Guerreiro ou João Barradas. Para dominar um instrumento é preciso tocar todos os dias e ter paixão pelo que se faz é mais de metade do caminho para saber tocar bem. “80% da aprendizagem é estudo e trabalho constante. Sem paixão e paciência para estudar não há resultados”, garante.

Falta gente jovem no associativismo

Vítor Rodrigues da Rosa começou a aprender órgão aos 12 anos pela mão do maestro de Alverca Telmo Lopes. Ingressou no Instituto de Música Vitorino Matono e estudou acordeão. Em 2003 começou a aprender concertina e fundou o grupo musical “As concertinas do Vale do Tejo”. Desenvolveu um dos métodos nacionais de ensino da concertina e tem participado em vários projectos musicais e trabalhos discográficos de vários autores. É formador da Academia Inatel e professor na escola de música da Associação Musical e Recreativa da Bemposta (concelho de Loures). Já tocou com Eugénia Lima, Tino Costa, Gonçalo da Câmara Pereira ou Miguel Ouro e passou também por diversos programas televisivos incluindo “O povo que ainda canta e dança” da RTP.
Confessa-se preocupado com o estado actual do associativismo. “Há cada vez mais falta de pessoas para se dedicarem aos outros nas colectividades. A disponibilidade de tempo é cada vez mais pequena e não conseguimos arranjar gente jovem para substituir os dirigentes mais antigos. Há uma dificuldade em renovar gerações”, lamenta o músico, que defende a necessidade de promover actividades que possam unir a comunidade às associações.

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