"Só desanimo quando não tenho capital para resolver a minha razão de ser"
Martins Correia (1910-1999): um artista irrequieto, revolucionário e sedento de novas formas*
Picasso dizia que é preciso muito tempo para se aprender a ser jovem. O Mestre Martins Correia, gravou a frase no seu interior e há oitenta e quatro anos que procura a essência da juventude que é, para ele, a Liberdade.
Irrequieto, revolucionário, sempre sedento de novas formas, o artista gosta de falar no sentido rústico das coisas e também da terra e do mar que considera os seus princípios basilares.
Escultor português de vanguarda, introdutor da policromia na moderna estatuária portuguesa, Martins Correia foi aluno e professor do ensino técnico-profissional na Casa Pia e em diversas escolas, incluindo a Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa de onde foi afastado pela simples razão de não ter o curso dos liceus.
Para o Mestre o desânimo só chega quando tem vontade de expandir o seu interior e não consegue por falta de condições exteriores. A afirmação é assim:"Não tenho capital para resolver a minha razão de ser!".
"A interioridade é que comanda. Com a habilidade fiz algumas coisas no princípio da carreira, mas depois, com a manifestação do interior é que apareceu a arte", sublinha.
Na Golegã, na casa oficina, que não lhe pertence, apesar de todo o espólio que legou à terra, e que se encontra no museu municipal com o seu nome, Martins Correia, lembra os tempos de bolseiro em Espanha, o seu convívio com os poetas da altura, e o fascínio que então sentiu pelas cores.
"Do que eu mais gostei em Espanha, foi da cor. Em Portugal a cor observada era dos painéis de Nuno Gonçalves, mas o Nuno Gonçalves estava fechado num conceito. A realidade do meu prazer era mais livre".
No mobiliário à nossa volta há pequenas notas de cor. No friso dos móveis, nos objectos expostos nas prateleiras, e nas pequenas argolas que enfeitam os gargalos das garrafas. Cá fora, o sol brilha Martins Correia fala do mar e da praia onde, sublinha, as formas se libertam do regionalismo. "São as formas de que eu mais gosto. O rimar está ali. O corpo com corpo, a forma com forma, o nu com o nu".
Na esplanada do Central, pessoas ao sol, indiferentes ao artista. No Museu as obras abandonadas à humidade. Martins Correia passa no seu passo saltitante. "Há falta de cultura. As pessoas não estão preparadas para apreciar a arte. Talvez daqui a dez anos. Talvez daqui a vinte anos. Isso é um problema que eu não sei resolver".
Cavalo branco
Das terras da Golegã.
Cavalo branco
Riscando de branco
No seu galope Fidalgo
Os campos da Golegã.
Cavalo branco correndo
Pelos prados e caminhos
Pelos campos e searas
Das terras da minha infância.
Cavalo Branco
Que em tempos foi
O cavalo de um toureiro
Que escreveu sobre o seu dorso
Muitas tardes de glória.
Cavalo branco
Que foi Companheiro quase irmão
Dos campinos - meus irmãos.
Cavalo branco
Que foi menino
Muito menino, pequeno
Desenhou com mãos de sonho
Num papel há muitos anos.
Cavalo branco
Sem nome
O menino, esse sim
Assinou com duas letras
O seu cavalinho assim
M.C. - Martins Correia
Um sonho de há muitos anos
Que galopou dia a dia
No sonho da sua vida
Dr. Lima de Carvalho - No catálogo da exposição comemorativa dos oitenta anos do Mestre Martins Correia, no Casino Estoril (7/2/1990).
* Reportagem de Alberto Bastos e Joaquim António Emídio
Publicada na edição de O MIRANTE, de 5 de Março de 1994