Advogados são o último bastião da liberdade
José Pedro Gil, 57 anos, advogado, Póvoa de Santa Iria
José Pedro Gil é um advogado conhecido no concelho de Vila Franca de Xira e um povoense apaixonado pela sua cidade. De oficial da Armada conseguiu chegar à sua profissão de sonho e ser advogado. Fascina-o e dá-lhe adrenalina resolver os diferentes casos com que se cruza.
Olhando para a Póvoa hoje diria que já fazemos parte da capital. Em 15 minutos estamos em Lisboa e temos excelentes acessos. Já não se sente o efeito de província de há 40 anos. Procuro fazer compras no comércio local e quando vamos à Póvoa velha toda a gente nos conhece. Quando vamos à parte superior somos uns ilustres desconhecidos, é como andar em Lisboa. Isso não me entristece, faz parte da vida e da evolução da sociedade. Gostava de ver na cidade umas piscinas municipais descobertas. A zona ribeirinha está muito boa mas podia ter mais árvores.
Fui oficial da Armada e logo que pude comecei o estágio na advocacia e nunca mais parei. Era o meu sonho e é um trabalho que me realiza. Lutar por outras pessoas estimula-me. É uma profissão que dá imensa adrenalina. Não é trabalho das nove às cinco. Exige muito esforço. Temos de perder muitas horas a ler. Dá-nos muito prazer mas também muitas crises existenciais. Trabalho com todos os ramos do Direito excepto o administrativo porque o advogado de província tem de saber fazer tudo. Quando uma pessoa nos coloca uma questão ela mexe com tantos ramos do Direito que é bom termos essa abrangência.
Já tive casos emocionalmente complicados. Todos encerram um drama pessoal e por muito que nos queiramos distanciar existem situações que ficam connosco depois de fechar o escritório. Deitamo-nos a pensar nelas e já consegui desfechos favoráveis no último minuto, num clique ao amanhecer. Por vezes acordamos antes da hora com a solução que procurávamos na noite anterior. Já vivi milhares de histórias e trabalho em prática individual com a minha mulher, Maria do Céu Nunes.
Sem confidencialidade não haverá advocacia livre. Honestidade, lealdade, esforço, seriedade, empenho e confidencialidade são atributos pessoais que valorizo. Avizinharam-se ataques à forma como se exerce a advocacia mas o certo é que os escritórios de advogados ainda são o último bastião de liberdade do cidadão e é nesse bastião que ele tem de confiar. Para isso o sigilo tem de ser absoluto. Existem por aí iniciativas legais que tentaram tornar os advogados agentes da polícia, coisa que me recuso a fazer. No dia em que isso acontecer pendurarei a toga. O cidadão não pode estar a pensar que as coisas que vai contar ao advogado poderão ser divulgadas numa plataforma a uma autoridade policial. Cresci numa democracia e é nesses valores que quero continuar a viver.
Desde 1988 que oiço falar de um novo tribunal em Vila Franca de Xira. Tem sido uma obra quase tão demorada como o novo aeroporto. O concelho precisa de um novo tribunal. A quantidade de pessoas que vieram viver para esta comarca já o justifica. A justiça é lenta porque existe uma grande falta de meios. Se formos ao tribunal de VFX as secretarias estão vazias. Há falta de pessoas. Por outro lado, a justiça em determinadas situações tem de ser morosa. Não é uma fabrica de salsichas onde entra um porco de um lado e sai uma salsicha do outro. Determinadas situações da vida humana carecem de tempo, serenidade e ponderação para serem julgadas.
Seria útil haver um gabinete de imprensa dos tribunais. Há situações que precisavam ser explicadas ao povo porque o povo não as entende. Existem decisões que às vezes nos parecem injustas mas legalmente estão perfeitas. Só com uma aproximação da justiça aos cidadãos se fará a diferença. Se a justiça continuar com linguagem hermética o fosso continuará a crescer.
Um dos grandes dramas que temos é que a justiça é cada vez mais para ricos. As taxas de justiça que pagamos são absolutamente imorais e brutalmente elevadas. Das mais elevadas da Europa. É inadmissível. A justiça não é um serviço que o Estado presta, é uma função primordial do Estado.
Sou um privilegiado por fazer o que gosto. Quando era miúdo queria ser piloto de automóveis. Tenho uma paixão por carros antigos. Tenho um Fiat 1100, de 1960, e um Toyota MR2, de 1990. Já passei pelos carros ingleses também, com um Triumph Spitfire mas foi uma dor de cabeça. Também gosto de dançar salsa e já danço há duas décadas. Tenho outro hobbie que é os slotcars.