Três Dimensões | 13-06-2022 14:59

“As cidades continuam a estar desenhadas a pensar no automóvel”

Cesário Oliveira quer fomentar a utilização da bicicleta em Santarém

Cesário Oliveira, 48 anos, é proprietário da loja de venda e reparação de bicicletas Bike Zone, em Santarém. Verdadeiro amante deste tipo de veículo, diz que as cidades continuam a ser pensadas para o automóvel. Lamenta que haja menos pais a ensinar os filhos a andar e espera que um dia a bicicleta eléctrica seja olhada como um meio de transporte.

Há uma enorme falta de respeito dos automobilistas para com os ciclistas. Continuam a achar que a estrada é só para os carros e, ignorando o que diz o Código da Estrada, ultrapassam-nos quase a tocar-nos nos cotovelos. Definitivamente Portugal ainda não está preparado para a cultura da bicicleta. Santarém não é uma cidade amiga dos ciclistas, precisa de muito investimento em ciclovias. Não há condições para as pessoas se deslocarem de bicicleta dentro da cidade porque as ciclovias que existem, embora estejam bem-feitas, não são suficientes.
As cidades continuam a estar desenhadas a pensar no automóvel. Os ciclistas mantêm-se na prateleira comparativamente a outras cidades europeias porque falta aos nossos políticos entender que a bicicleta é um meio de transporte que precisa de infra-estruturas para ser usada em segurança. O facto de sermos cada vez mais sedentários também não ajuda.
Os portugueses são tão comodistas que só não levam o carro para dentro das lojas porque não podem. Basta reparar que o estacionamento junto à praça de toiros em Santarém está sempre vazio, ao passo que na avenida ao lado não há uma hora em que não estejam carros parados numa das faixas da estrada.
Tive uma infância feliz, vivida sem tecnologias e em cima de uma bicicleta. Depois da escola o resto do dia era passado nas ruas de Aveiras de Cima até me chamarem para ir para casa. Já não há infâncias assim. É cada vez mais difícil arrancar os jovens de um jogo de computador para o sentar no selim de uma bicicleta.
Tenho uma filha e um filho e fiz questão de os ensinar a andar de bicicleta. Noto que os pais que praticam desporto fazem um esforço para que os seus filhos aprendam. Os outros nem tanto. Ando de bicicleta há cerca de 20 anos por lazer, mas sempre com a vertente de competição associada. Na última prova que fiz, de 45 quilómetros de mato, em Alcobertas, fiquei em segundo lugar em bicicleta eléctrica.
A separação dos meus pais, quando tinha oito anos, marcou-me muito. Fui criado pelo meu pai, a minha avó e madrinha, e acabei por perder o contacto com a minha mãe. Nunca me faltou amor nem afecto mas reconheço que por ter sido tão mimado hoje ainda me é difícil dar o braço a torcer quando estou errado.
A rebeldia na adolescência levou o meu pai a tirar-me da escola. Comecei a trabalhar aos 16 anos. Hoje arrependo-me de não me ter concentrado nos estudos. Passei por vários trabalhos até em 2010 ter emigrado para Angola, onde estive durante 10 anos a trabalhar na empresa de construção dos meus sogros. Estar separado da minha mulher e dos meus filhos foi o mais difícil de estar emigrado. Também não foi fácil lidar com a falta de segurança e as doenças. Apanhei malária uma dezena de vezes e vivia a todo o momento com medo de ser assaltado.
Abri a Bike Zone em Santarém para colmatar uma lacuna que existia na parte mais alta da cidade. Além de fazermos todo o tipo de reparações e de vendermos todo o equipamento para ciclistas, temos à disposição do cliente bicicletas de topo. Uma boa bicicleta, hoje, custa cerca de cinco mil euros, uma de topo atinge os 13 mil.
A bicicleta eléctrica tem de ser cada vez mais olhada como um meio de transporte. Felizmente já se começa a ver algumas pessoas em Santarém a ir neste tipo de bicicleta para o trabalho. O seu factor social também não pode ser ignorado, pois permite a um utilizador com menos treino e preparação física acompanhar aqueles com quem gosta de pedalar.
Não gosto de cumprir rotinas e fujo delas sempre que posso. Prezo muito a minha liberdade. Costumo dizer que não dava para piloto de avião porque nessa profissão há sempre uma rotina rigorosa que tem que ser cumprida.
Sou como o sol e como a lua, com um lado brilhante e um lado escuro. Tão depressa estou bem-disposto e sou brincalhão como fico com um feitio complicado. Não gosto de falsidades nem cinismos. As faltas de respeito no trânsito tiram-me do sério e posso dizer que prefiro sempre uma verdade dura a uma boa mentira.
Valorizo muito o tempo que passo em família. Costumamos reunir aos fins-de-semana em almoços e jantares onde passamos bons momentos. Gosto de cozinhar e dizem que os meus ovos mexidos com refogado são divinais. Em casa cumpro as minhas tarefas domésticas porque a nossa vida é a dois e é assim que tem que ser vivida. Falta-me viajar mais em família, conhecer novos sítios e criar memórias com a minha mulher e os meus filhos. A nível profissional espero conseguir consolidar a Bike Zone em Santarém e incentivar ao uso da bicicleta.

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