Três Dimensões | 18-07-2022 07:00

“O agricultor hoje não é um analfabeto agarrado a uma enxada”

João Falcão tem raízes em Santarém e é coordenador da Associação de Promoção Rural da Charneca Ribatejana

João Falcão é empresário agrícola, consultor do programa “Faça chuva Faça sol”, da RTP 2, e coordenador da Associação de Promoção Rural da Charneca Ribatejana de Coruche. Tem raízes em Santarém e o que mais o cativa no trabalho é saber que está a ajudar a alimentar a sociedade. Diz que os tempos do agricultor que trabalhava de enxada de sol a sol já lá vai e que hoje a tecnologia é a rainha. Jogar padel e caminhar ao ar livre são duas das suas paixões nos tempos livres.

Nasci em Lisboa mas toda a minha família é de Santarém e é lá que tenho as minhas raízes. Fiz amigos que guardo até hoje. Sou empresário agrícola e toda a minha família já tinha negócios na agricultura. Estudei gestão agrícola e fiz um mestrado em Inglaterra. Quando o meu avô, que tomava conta dos negócios, teve um acidente passei a ajudar nos negócios da família e fiquei até hoje. Produzo milho, arroz, cortiça e gado. O que mais me cativa é a utilidade. Sentimos que estamos a dar o nosso contributo para alimentar a sociedade. É um trabalho útil. Não tenho um trabalho de escritório e vou à rua todos os dias e nenhum deles é igual. Ninguém gosta de monotonia por mais interessante que seja.
A APRCR é uma entidade que administra e aloca fundos europeus para a região. Identificamos as necessidades e potencialidades, criamos uma estratégia para o território e aplicamos essas verbas para modernizar a região da charneca, que é uma das maiores em termos de área e abrange Coruche, Benavente, Chamusca, Golegã, Almeirim, Alpiarça e Salvaterra de Magos. Já financiámos muitos milhões de euros ao longos destes anos. As necessidades vão variando. Antigamente a prioridade era gerar emprego e hoje já não. Não há desemprego na agricultura, o problema é conseguir contratar. Não há quem queira trabalhar no campo. As prioridades agora são a valorização do património, sustentabilidade, promoção de produtos locais de qualidade e encurtar o caminho entre consumidor e produtor. Há, por exemplo, uma forte aposta em diversificar o negócio agrícola criando, por exemplo, alojamento turístico rural de contacto com o campo e a natureza.
O agricultor hoje não é um analfabeto agarrado a uma enxada como no passado. Esses tempos acabaram. Somos um sector altamente tecnológico. Há mais tecnologia investida num tomate do que num iPhone. Basta ver, não falando em manipulação genética, a manipulação entre variedades de tomate para chegar a um que amadureça todo ao mesmo tempo para permitir colheita mecânica, que resista ao choque, que tenha características certas de cor, tamanho e açúcar. Nos anos 80 produzíamos 50 toneladas por hectare. Hoje produz-se mais de 110 toneladas. Quem ganha com tudo isto é o consumidor final ao ter alimentos mais baratos e melhores.
Quem está em Lisboa não decide com a mesma clarividência de quem está no terreno e conhece a realidade. Ouve-se há muitos anos o poder central falar da regionalização e da descentralização mas depois quem tem o bolo do dinheiro nunca gosta de dividir as fatias. Sentimos essas resistências. O Ribatejo era a referência da agricultura empresarial em Portugal mas o Alqueva veio mudar essa realidade. Não sei se foi o Ribatejo que perdeu importância ou se foi o Alentejo que a ganhou com o Alqueva.
A água é o principal alicerce de uma economia. O Alentejo soube criar a sua marca enquanto o Ribatejo – devido talvez a algum aburguesamento – não o fez nos últimos anos. Ficou acomodado nos seus louros. Diria que Ribatejo e Alentejo estão taco a taco na luta pela supremacia agrícola nacional apesar de não serem directamente concorrentes. O Ribatejo focou-se no milho, arroz, tomate e na cortiça, onde somos líderes mundiais, ao passo que o Alentejo apostou forte no vinho, por exemplo.
Tira-me do sério o unanimismo. Toda a gente fala sobre um assunto mas ninguém se dá ao trabalho de aprofundar e ter opiniões contrárias. Ninguém quer perder tempo a pensar e aprofundar um assunto. Toda a gente quer debitar uma opinião depois de ler apenas o título de uma notícia, por exemplo. Infelizmente a sociedade ainda anda muito dependente do imediatismo. No geral o homem tem sempre evoluído no bom sentido mesmo que por vezes com passos atrás. Mas é sempre quando o Homem se põe em causa que as coisas evoluem. Quando há um pensamento único que não pode ser contrariado, aí sim, leva-nos ao atraso civilizacional.
Sou sócio-gerente da clínica Smile Factory, em Samora Correia. A minha mulher é dentista e trabalhava em Lisboa. Percebemos que havia uma abordagem mais moderna à medicina dentária na capital, de forma mais evoluída tecnicamente e melhor para o utente. Foi isso que quisemos trazer para Samora Correia. Trouxemos muita formação e conhecimento para essa área. Ter um bom sorriso não é bom apenas para a auto-estima mas também para a saúde. Uma má mordida pode ser a causa para muitas dores de cabeça, por exemplo.
Gosto de ler livros em papel mas sobretudo em formato digital. Gosto muito de ler na praia e estragava os livros todos na areia por isso aderi ao digital. Também gosto de relaxar do trabalho estando à mesa com amigos e família, fumar um charuto quando tenho tempo e fazer desporto, sobretudo padel, e caminhar ao ar livre. A vida não pode ser só sacrifício. O sacrifício serve para usufruir dos prazeres que a vida nos pode dar, por mais simples que sejam.

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