Crónicas do Brasil | 01-06-2016 11:08

Raduan Nassar: Prêmio Camões.

Sim, é preciso dizer da oportunidade do prêmio, e isso se liga ao papel de Raduan no atual momento político brasileiro. Embora escritor reconhecidamente recluso, Raduan deixou seu recanto no interior de São Paulo para aparições públicas ao lado da presidente Dilma Rousseff, numa clara atitude de apoio ao governo constitucional do Brasil e ao estado democrático de direito.

A atribuição do Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa, ao escritor brasileiro Raduan Nassar não é apenas uma láurea mais do que merecida, é também extremamente oportuna. Diremos por que é oportuna logo mais. Antes é preciso que façamos breves considerações sobre a obra do escritor. Raduan é autor de obra exígua e de raríssimas aparições públicas, é aquilo que se convencionou chamar de escritor recluso, categoria que, no Brasil, tem outros representantes nas figuras de Dalton Trevisan e Ruben Fonseca. Raduan, porém, como ficou dito por um jornal português que noticiou a premiação, não é “um recluso por arrogância”, mas um homem simples.

“Lavoura arcaica” foi publicado em 1975. Não é um romance, é uma novela de extrema força poética, de um lirismo incomparável, embora o autor tenha sido colocado por certa parte da critica ao lado de Guimarães Rosa e de Clarice Lispector. É incomparável porque sua prosa traz esse lirismo particular e extremamente essencial que é uma herdade atávica da cultura árabe e mediterrânea do autor, o que a torna única em termos de literatura brasileira.

Raduan publicou, ainda, “Um copo de cólera”, também uma novela curta, e “Menina a caminho”, um conto. Em todos esses livros sobressai o tema mais do que poderoso dos impulsos sexuais tratado com o que se pode resumir numa palavra: paixão. Não por acaso, em 1975, cerca de um ano depois da primavera da libertação portuguesa em 1974, naquele 25 de abril histórico, um então jovem Raduan Nassar se apresentou ao escritor português Almeida Faria com a primeira edição de “Lavoura arcaica” nas mãos, e lhe anunciou que vinha lhe presentear pessoalmente o livro recém-saído no Brasil, uma vez que “Lavoura arcaica” devia muito a um romance de Almeida Faria justamente intitulado “A paixão” (1965).

Sim, é preciso dizer da oportunidade do prêmio, e isso se liga ao papel de Raduan no atual momento político brasileiro. Embora escritor reconhecidamente recluso, Raduan deixou seu recanto no interior de São Paulo para aparições públicas ao lado da presidente Dilma Rousseff, numa clara atitude de apoio ao governo constitucional do Brasil e ao estado democrático de direito. Nas redes sociais, assim que foi anunciado o prêmio, logo se multiplicaram as manifestações de parabéns ao escritor e de aplauso à sua postura de apoio ao governo constitucional. Num dos posts, declara textualmente: “Tivesse o STF despertado da letargia, o processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff não teria sido sequer instaurado, pela desqualificação de quem o conduz.” (Em referência ao então presidente da Câmara Eduardo Cunha).

A obra-prima de Nassar, “Lavoura arcaica”, foi magistralmente adaptada para o cinema pelo diretor Luís Fernando Carvalho, com uma atuação sublime da atriz Simone Spoladore que, sem pronunciar uma só palavra durante todo o filme, e tendo compreendido sensivelmente a força e o sentido sensual emanados de sua personagem num filme que lida com o tabu do incesto, se exerceu com um talento incomparável que ainda há de merecer também algum alto prêmio.

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