Economia | 20-03-2016 14:21

A "Mercearia Tradicional" atravessou os tempos e também tem entrada pela internet

A "Mercearia Tradicional" atravessou os tempos e também tem entrada pela internet

Família Santos mantém com dedicação e paixão um negócio que é "património imaterial" de Benavente.

Há duas maneiras de entrar na Mercearia Tradicional. Através da página do Facebook com o mesmo nome ou através do nº 24 da Avenida António Calheiro Lopes, em Benavente. Seja qual for a forma escolhida para aceder ao espaço comercial os clientes são recebidos pelos rostos afáveis e sorridentes do casal Carlos Santos e Rosa Maria. Na entrada pelo mundo virtual há uma foto dos dois a sorrir. Na entrada física, há pessoas de carne e osso com um discurso cativante e um saber de experiência feito.A Mercearia Tradicional faz 57 anos no dia 29 de Março. Carlos Santos lembra que na altura da abertura era apenas mais uma mercearia num tempo de mercearias, casas comerciais que vendiam de tudo e prestavam diversos serviços, correspondendo às necessidades dos habitantes das comunidades onde estavam inseridas. Era o tempo daquilo a que agora chamamos o comércio tradicional. Nessa época, as pessoas do campo iam à vila uma vez por semana para se aviarem para a semana seguinte. Sextas e Sábados eram dias de grande movimento. Nos primeiros anos de actividade o pátio traseiro da Mercearia Tradicional de Benavente transformava-se em parque de estacionamento de burros, mulas e carroças. As mulheres que se deslocavam a pé transportavam as compras à cabeça em cestos assentes em rodilhas feitas de pano ou de papel de jornal. Muitos clientes, que na altura eram designados por fregueses, recorriam ao crédito que funcionava através de um registo no famoso livro de fiados. A Mercearia Tradicional tinha um papel social importante ao permitir pagamentos dilatados no tempo. Embora os clientes fossem conhecidos e houvesse palavra também havia, como hoje, casos de "créditos mal parados", os chamados calotes. A Mercearia Tradicional também funcionava e funcionou durante muito tempo como "agente de serviços". Ali era possível descontar cheques, levantar a reforma, pagar as quotas da Casa do Povo, etc...Os filhos do casal, João Santos e Augusto Santos, começaram a ajudar os pais ainda crianças. "Costumo dizer que eu e meu irmão nascemos e crescemos atrás do balcão. Na verdade tivemos um papel bastante activo na mercearia, pois, como diz o povo, que é sábio a traduzir o seu conhecimento em expressões populares, 'o trabalho do menino é pouco, mas quem o perde é louco'. Se à luz da sociedade actual esta expressão pode ser condenável, não o era na sociedade de então e aquele trabalho não nos fez mal nenhum, antes pelo contrário", conta Augusto Santos que hoje é Engenheiro Informático, sendo o seu irmão Economista. A família continua unida e um dos elos dessa ligação é a Mercearia Tradicional. Augusto Santos fala em Património Imaterial quando se refere à loja e aos tempos das mercearias mas o segredo da longevidade foi a definição de um ponto de equilíbrio entre a tradição e a modernidade. "A adaptação que os meus pais foram capazes de fazer explicam porque são actualmente a única mercearia de Benavente e um património local que os benaventenses se orgulham de possuir. A criação da página do Facebook e a projecção e receptividade que existiu e que projectou a mercearia em todo o país e inclusive no estrangeiro faz-me pensar que os receios que tenho de estar a exagerar quando falo da importância da Mercearia Tradicional, são infundados".A ida ao encontro dos clientes aproveitando as redes sociais pode ser novidade mas vem na sequência de uma política de aproximação aos clientes que sempre foi seguida. "Sempre fizemos tudo para procurar novos nichos de oportunidades de forma a promover e diversificar o nosso negócio. No início de cada ano dedicávamo-nos à batata de semente e começava o corrupio de camiões vindos do porto de Setúbal ou do norte do país para descarregarem as sacas de batatas que tantas vezes nem chegavam a entrar no armazém, sendo logo colocadas nos tractores e carrinhas dos muitos agricultores que faziam filas à nossa porta. No verão, na época auge da agricultura, passámos a ir ao encontro dos clientes pelos montes das herdades onde se juntavam os ranchos vindos da Beira para trabalharem nos campos. Numa época onde tudo era avulso, o azeite, a manteiga, o açúcar, os feijões, os bolachas, etc., havia que proceder à pesagem, embalagem e carregamento na carrinha onde percorríamos os campos vendendo a quem não tinha como se deslocar à vila.", conta Carlos Santos.A adaptação aos novos tempos também implicou o fim de alguns nichos de negócio. A Mercearia Tradicional deixou de vender os tecidos, as malhas, os atoalhados, os panos para lençóis, as lãs para tricotar, as linhas das marcas Coração e Âncora ou as famosas Sedalinas e Castelinas, passando a dedicar-se apenas aos bens alimentares. Os serviços prestados também foram desaparecendo com a abertura de agências bancárias, por exemplo. O que não desapareceu foi a vontade de tratar os fregueses como pessoas, chamando-os pelos seus nomes, perguntando-lhes pelas famílias, partilhando notícias, informações.

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