O MIRANTE | 05-03-2021 13:30

“Gosto de fazer coisas novas, imprimir novas dinâmicas e construir novas realidades”

“Gosto de fazer coisas novas, imprimir novas dinâmicas e construir novas realidades”
ESPECIAL PERSONALIDADES DO ANO

A presidente do conselho de administração do Hospital Distrital de Santarém, Ana Infante, tem sido nomeada para hospitais públicos a necessitarem de ser reorganizados e dinamizados e confessa que isso lhe agrada porque gosta de desafios e novos projectos. No entanto diz que está disponível para, se for convidada, aceitar fazer mais um mandato de três anos .

Foi nomeada numa altura em que o Hospital de Santarém passava por dificuldades e com a obra do bloco operatório parada. Antes já tinha dado a volta aos hospitais da Covilhã e Fundão. Sente-se uma bombeira da administração hospitalar?

Realmente quando me têm convidado para cargos de nomeação, como foi o caso do Centro Hospitalar da Cova da Beira, do Serviço Nacional de Protecção Civil e mais recentemente o Hospital Distrital de Santarém, foi porque todas essa Instituições necessitavam de uma revitalização profunda e encontravam-se em processo de mudança. Cargos que tive todo o gosto em aceitar, porque gosto de me envolver em desafios e projectos novos.

Ter de resolver vários problemas complexos, como foi o caso em Santarém, provoca desgaste?

Apesar de exercer uma actividade exigente, adoro a profissão que abracei há mais de 30 anos e todos os dias venho trabalhar com grande alegria e dedicação. Sendo filha de um médico e de uma enfermeira, desde cedo convivi com a realidade hospitalar, pelo que a escolha desta carreira ocorreu de forma natural.

É licenciada em sociologia. Esta área é importante para quem tem de gerir hospitais?

A sociologia deu-me um conhecimento de como funciona a sociedade. No meu caso especializei-me em sociologia do trabalho e das organizações. Já tinha uma faceta ao nível da gestão das organizações. Em 1988 tirei formação em administração hospitalar.

Ficou preocupada quando foi convidada para gerir um hospital que, na altura, estava com uma imagem muito negativa?

Vim para Santarém com entusiasmo. Quem está nesta profissão tem de estar preparado para novos desafios. Ficar no conforto de um cargo anos a fio num mesmo hospital não faz parte da minha forma de ser e de estar. Gosto de fazer coisas novas, imprimir novas dinâmicas, construir novas realidades nos hospitais que precisam da minha experiência. A mudança faz parte da vida e tenho aprendido muito com isso ao longo dos anos.

Quais foram as necessidades que identificou quando chegou há quase três anos?

O Hospital de Santarém precisava de uma nova estratégia e de uma definição de prioridades que se adequasse às necessidades clínicas e de tratamento.

O seu antecessor esteve muitos anos no cargo. Quanto tempo vai precisar para colocar o hospital como acha que ele deve estar ?

Os mandatos têm a duração de três anos e não se podem fazer mais de três mandatos. Esta equipa tem trabalho para concretizar em mais três anos. Há períodos para tudo, para implementar projectos, para deixar outros para alguém dar continuidade, mas ficar demasiado tempo nas instituições pode fazer-nos cristalizar e não termos o distanciamento necessário para vermos os problemas. Faz bem a rotatividade. Quem vem de novo tem sempre outra visão em relação a quem está há muito tempo no cargo.

A pandemia veio complicar os seus planos? O que é que está a ser difícil implementar?

A instalação do gabinete de medicina legal é o que está a tornar-se mais complicado, mas apesar disso conseguimos que comecem neste mês de Março as obras para a ressonância magnética e conseguimos financiamento para uma nova unidade de cuidados intensivos, construída de raiz, num investimento de três milhões de euros. Até 2023 temos previsto um investimento total de 16 milhões de euros no hospital.

Quando entrou o orçamento era deficitário em cerca de 20 milhões de euros. Onde foi arranjar dinheiro para tantos investimentos?

Houve um reforço orçamental em 2020 de 10 milhões, passando para 90 milhões, o que nos dá uma margem melhor para gerir. Mas também temos feito uma gestão financeira rigorosa. Em 2018 tivemos um saldo positivo, inédito a nível nacional. Conseguimos reduzir o défice e os prazos de pagamentos aos fornecedores, apesar de termos gasto sete milhões de euros com a pandemia, em adaptação de estruturas e equipamentos para combater a Covid-19. Mesmo assim temos um défice de oito milhões, contando que aumentámos os gastos com pessoal, entre pagamento de horas e contratação de 96 novos profissionais. Não fosse a pandemia e quase teríamos um saldo positivo.

A Covid-19 acabou por representar também oportunidades para os hospitais.

Apesar de provocar um grande desgaste de todas as pessoas, mostrou aquilo que sempre disse, que num hospital todos são importantes, sejam os da linha da frente, seja a estrutura que está por trás, os que estão nos bastidores. O serviço de aprovisionamento viu triplicar as necessidades de compras, a morgue também triplicou a sua actividade com procedimentos específicos por causa da Covid-19, o serviço de saúde ocupacional mobilizou-se para seguir os profissionais infectados. Deu-se também um salto tecnológico, por exemplo com a monitorização dos doentes à distância, a teleconsulta, a hospitalização domiciliária com um grande sucesso.

No futuro, muitos doentes vão deixar de ter necessidade de ir ao hospital?

O hospital será para tratar doentes e doentes agudos. Doentes que não precisam de tratamento imediato passaram a ser tratados nos cuidados de saúde primários ou nos cuidados continuados. Se pudermos tratar os doentes no conforto das suas casas isso será ideal. A telemonitorização já veio demonstrar, nos doentes crónicos, que é possível reduzir o afluxo de pessoas ao hospital. Estes doentes utilizam muito as urgências, mas desde que são acompanhados à distância que recorrem menos ao serviço. Também na psiquiatria, por exemplo, é possível tratar mais doentes em ambulatório com novas terapêuticas.

Com analisa o comportamento do Serviço Nacional de Saúde neste último ano?

A situação veio mostrar que o Serviço Nacional de Saúde é um pilar essencial da sociedade e ele deu uma resposta eficaz. No caso do Hospital de Santarém, deu uma resposta à altura tanto a doentes com Covid, como aos que não tinham a doença. Continuámos sempre a tratar os doentes prioritários emergentes, bem como a seguir os doentes cardíacos e oncológicos. Entre Setembro e Novembro conseguimos uma recuperação das listas de espera, que entretanto se agravaram com a nova vaga da pandemia, mas já temos um plano de retoma com metas a atingir.

Termina este primeiro mandato em Julho. Se puder vai continuar?

Estou disponível para continuar, mas isso depende de quem nos nomeia. Além de termos mais coisas para fazer é importante dizer que, mesmo com a pandemia, adquirimos equipamentos médicos, arranjámos os elevadores, substituímos as estruturas com amianto, requalificámos o auditório, desenvolvemos o plano de segurança interno e dinamizámos o conselho consultivo que estava sem funcionar.

E o que planeia fazer?

Agora vamos fazer o rastreio do cancro do colo do útero a nível distrital, num compromisso que assumimos com a administração regional de saúde. E pretendemos fazer a expansão do hospital de dia de oncologia e construir uma sala hibrida que dá para servir como bloco operatório ou para intervenções mais simples. Estamos também a implementar uma consulta para doentes que tiveram Covid-19, para estudarmos as sequelas.

Para se diferenciaro hospital precisa de novos serviços e para tal tem que cativar novos médicos.

Há a possibilidade de criar duas novas especialidades: a cirurgia plástica e a neurocirurgia. Já temos potenciais médicos interessados e foram eles que nos contactaram a dizer que querem vir trabalhar para Santarém. Este interesse que está a surgir dos profissionais acontece porque o hospital está a afirmar-se, a fazer o seu percurso e a mudar a sua imagem.

Fazer do Hospital de Santarém uma unidade de referência

A vida de Ana Infante mudou desde que começou a administrar o Hospital Distrital de Santarém (HDS) e ainda mais com a pandemia. Não tem tido tempo para fazer jardinagem, de que tanto gosta, nem para ir ver o mar ou passear a cadela. Nos últimos tempos ano já se dá por satisfeita se o seu telefone não tocar insistentemente ao fim-de-semana.

Mesmo com o alvoroço causado pela pandemia, a administradora hospitalar não deixou de implementar projectos e de seguir a estratégia de devolver a confiança no hospital e de o colocar como uma unidade de referência e avançada.

Quando assumiu funções, a meio de 2018, as obras do novo bloco operatório estavam bloqueadas por determinação do Tribunal de Contas, porque o HDS não tinha fundos próprios suficientes para as pagar. Foi um dos primeiros problemas que resolveu e o bloco já funciona há um ano, desde Fevereiro de 2020.

O seu objectivo é colocar o hospital na vanguarda. Para isso tem contribuído a aposta de desenvolver a investigação e a formação. A meio de 2019, ao fim de um ano de gestão, os dados demonstravam que o hospital tinha aumentado os indicadores de qualidade e eficiência.

Esta não é a primeira vez que Ana Infante, nascida em 1962, em Lisboa, trabalha em Santarém. Depois de acabar a sua licenciatura em Sociologia pelo ISCTE, em 1986, teve o primeiro trabalho como investigadora num projecto de caracterização do distrito no Centro Cultural Regional de Santarém.

Fez posteriormente uma pós-graduação em Administração Hospitalar, em 1990, na Escola Nacional de Saúde Pública e, desde essa altura está ligada à administração hospitalar. Passou pelo Instituto Português do Sangue; pelo Hospital Pulido Valente; pelo Hospital de Santa Cruz e pelo Centro Hospitalar de Cascais. Fez parte da equipa que criou o Centro Hospitalar da Cova da Beira, tendo pertencido à comissão de acompanhamento deste centro hospitalar onde foi também vogal executiva. No seu percurso profissional conta-se ainda o cargo de vice-presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil, entre 2001 e 2003.

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