Opinião | 06-07-2017 18:28

Cidadania e Governança: assimetrias

Aos autarcas do interior deseja-se que centrem a sua preocupação em respostas para a fragilidade das suas cidades. Da administração central espera-se que encontre respostas para a agudizada regressão demográfica do interior. De ambos, espera-se que concertem estratégias tendentes à retificação dessas assimetrias.

Portugal passou nas últimas cinco décadas por transformações muito profundas na estrutura da ocupação do seu território. Destas mutações sobressai o ‘peso’ da atratividade de Lisboa e do Porto e, como resultado, uma constante e gradual desertificação das cidades do interior. Estas transformações têm-se refletido em profundas mudanças da estrutura económica e social, sobretudo, devido a esses fluxos migratórios que se vão sucedendo.

Um número cada vez mais crescente de portugueses considera a vida urbana como a fonte dos principais problemas ambientais, nomeadamente nos aspetos ligados à saúde pública, como são exemplo as múltiplas disfunções e incomodidades provocadas pelo ruído e congestionamentos de trânsito. Muitos identificam como causas dessas incomodidades a matriz urbana das cidades.

Nos meios urbanos as questões ambientais, em sentido estrito, não podem ser dissociadas de outras questões que contribuem decisivamente para a qualidade da vida nas cidades. A qualidade urbanística e arquitetónica dos espaços públicos, a qualidade das suas várias funcionalidades dos níveis de segurança, empregabilidade e mobilidade são apenas alguns dos aspetos que contribuem para a qualidade do ambiente urbano, entendido em sentido lato.

Ora, a requalificação urbana no País não se limita à necessidade de uma gestão sustentável das cidades, assenta também na necessidade de reinventar as cidades, isto é, de redefinir o seu papel na organização do território. Ainda hoje, muitas cidades buscam o seu desígnio estratégico, ou seja, o seu suporte para um contexto diferenciador.

Os cidadãos gostam, e precisam, de viver em aglomerados urbanos que, para além dos inconvenientes, propiciem também, em muitos aspetos da vida quotidiana, elevados níveis de conforto e se constituam como polos de atração e lazer.

Em ano de eleições autárquicas, será útil que estas reflexões estejam no centro do debate. Pese embora este seja um tema recorrente e muito antigo, o certo é que nunca mereceu a atenção devida, quer pela administração central, quer pela administração local. Aos autarcas do interior deseja-se que centrem a sua preocupação em respostas para a fragilidade das suas cidades. Da administração central espera-se que encontre respostas para a agudizada regressão demográfica do interior. De ambos, espera-se que concertem estratégias tendentes à retificação dessas assimetrias.

A busca desses níveis de equilíbrio não pode ser vista tecnocraticamente como uma mera questão de melhoria de parâmetros ambientais. Há uma identidade e um «carisma» em muitas cidades que é preciso valorizar, porque é precisamente aí que reside a diferenciação e a atratividade.

Numa sociedade crescentemente globalizada, as cidades devem ser também essenciais do processo de desenvolvimento económico e social. Essa função de «alavanca de desenvolvimento» tem de ser desempenhada pelas cidades que tenham um ambiente de qualidade, níveis elevados de atratividade e uma cultura identitária distintiva.

As sociedades de hoje, mais do que gerir as suas fraquezas económicas, caracterizam-se pela capacidade de gerir as suas diversas formas de organização social. Estas são capazes de criar formas multiculturais, ao agregar diversas sensibilidades e saberes, levando à criação de uma coesão social e de uma maior proximidade entre a Administração e as pessoas. Neste contexto, as cidades representam unidades espaciais de referência, com dinâmicas próprias, centradas no desenvolvimento sustentável, com base nas suas capacidades e potencialidades atuais e futuras.

Quando se pretende ultrapassar a escala dos «pequenos problemas» e promover uma verdadeira ação de desenvolvimento socioeconómico e de melhoria da qualidade de vida e do bem-estar dos Portugueses, um dos maiores paradoxos da vida organizacional reside na coexistência de duas necessidades: (1) estabelecer mecanismos de controlo, destinados a assegurar que as pessoas executem os seus papéis; (2) incentivar o aparecimento de ações inovadoras que ultrapassem os requisitos normais da função ou do papel de cada cidadão ou entidade coletiva na sua comunidade. Assim, as cidades devem tender para uma harmonização, considerando todos os seus valores, práticas, patrimónios, num esforço de conjugação das sinergias disponíveis.

José Fidalgo Gonçalves

Investigador Católica-CESOP, Lisboa

julho.2017

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