Cidadania e Governança: descentralização – interessa aos cidadãos?
Esta descentralização de competências não acrescenta ‘valor’ para os cidadãos, apenas se trata de um acordo entre setores do Estado, cujo ‘drama’ a que assistimos nas discussões, resume-se a uma discussão singela sobre dinheiro: quem transfere diz que é muito, quem presta o serviço diz que é pouco.
Somos confrontados diariamente com notícias, por vezes antagónicas, sobre a proposta de descentralização da Administração Central para a Administração Local. Umas referem que é irreversível e outras dizem que não se irá concretizar (a Lei já foi aprovada pela Assembleia e ratificada pela Presidência da República). Qualquer das observações que registei, quer de comentadores, quer de políticos (autarcas e parlamentares) alinham no mesmo registo: transferir tarefas do Estado Central, a troco de receitas, para o Estado Local. Portanto este registo de abordagem está balizado numa prestação de serviços do Estado Local ao Estado Central…
Nesta altura decorre a discussão setorial. Sabe-se que a Associação Nacional de Municípios e o Governo já se entenderam em oito diplomas: áreas portuárias; estruturas de atendimento ao cidadão; património, freguesias, habitação, proteção, saúde animal e segurança alimentar, ação social e transporte de passageiros em vias navegáveis interiores e, esperam chegar a um consenso nas áreas da educação, saúde, cultura e proteção civil.
Percebemos que com esta descentralização o Estado Central (Governo) estabelece um acordo com os municípios (que estes podem não aceitar). Esta descentralização refere-se a atividades básicas que poderiam ser executadas por empresas (desejavelmente especializadas). Não sabemos se seria mais barato ou mais caro para o Estado (ou seja, para todos nós). Sabemos é que esta descentralização é baseada num acordo do Estado Central que assim transfere as suas responsabilidades constitucionais para o Estado Local, o sucesso ou insucesso dos resultados não é do Estado Local, pois quem tem a responsabilidade da gestão é o Estado Central.
A questão que se coloca é se este novo contexto traz algo de positivo para os cidadãos e, já agora, se contribui para melhorar a qualidade de vida dos portugueses. Na nossa perspetiva, esta descentralização de competências não acrescenta ‘valor’ para os cidadãos, apenas se trata de um acordo entre setores do Estado, cujo ‘drama’ a que assistimos nas discussões, resume-se a uma discussão singela sobre dinheiro: quem transfere diz que é muito, quem presta o serviço diz que é pouco.
Imaginem que, por exemplo, na escola dos vossos filhos, a responsabilidade pela abertura dos edifícios, pela sua limpeza e manutenção é do município (empregado) e quem ‘manda’ no funcionamento da escola é o Estado Central (patrão). O chão pode estar limpo e o edifício bem cuidado, mas se o valor acrescentado pelo ensino, não servir o concelho, nomeadamente para gerar e reter talento, podemos perguntar: afinal qual é o valor que esta descentralização traz para os cidadãos?
Podíamos referenciar muitos outros exemplos, com dúvidas sobre onde começa e acaba a responsabilidade de cada um dos setores do Estado, como é o caso do apuramento de responsabilidades sobre os incêndios no interior do país, mas, nesta reflexão, vamos apenas colocar duas das questões que nos preocupam:
- Qual é o poder de intervenção dos cidadãos em assuntos decisivos como este?
- Os autarcas foram ouvidos; os deputados pronunciaram-se; o cidadão não foi ouvido!
- A estrutura político-administrativa do Estado deve continuar sobreposta?
- A função de uma autarquia não é prestar serviços, mas sim governar o território e a comunidade que representa.
Na minha opinião, é necessário alterar o paradigma da abordagem: é necessário que os municípios assumam o papel de ‘motores’ (político e operacional) da dinâmica de desenvolvimento do território. Sugere-se um novo debate, centrado na implementação de uma complementar cadeia de responsabilidades nos setores do Estado, assente na (co)responsabilização de todos os atores do Estado, desde o cidadão, passando pela Administração Autónoma (autarquias), pela Administração Indireta (execução das políticas) e, naturalmente, pela Administração Direta (definição de políticas).
Achamos que a baliza de responsabilidades deve estar bem clara para cada setor do Estado e vista numa perspetiva da complementaridade e não da sobreposição de responsabilidades (como acontece há muito tempo em Portugal). Esta necessidade de clareza, fundamental em democracia, permitiria gerar maior transparência e, sobretudo, o cidadão ficaria a saber a quem exigir responsabilidades.
José Fidalgo Gonçalves
Outubro.2018