Especial 25 de Abril | 20-04-2005 03:32

Uma incubadora de algodão

Uma incubadora de algodão
No mesmo ano em que o marido foi destacado para a primeira comissão, no norte de Moçambique, em 1966, em plena guerra colonial, Fernanda Correia decidiu deixar o conforto da metrópole e embarcar à aventura.“Parecia-me que estando perto saberia as coisas mais depressa. Um aerograma levava 15 dias a chegar e durante esse tempo muita coisa poderia ter acontecido”, argumenta.Chegou a Moçambique com o filho de seis meses nos braços para um mês de férias com o marido. Quando o tempo de licença acabou, o militar, que comandava uma companhia na zona de Miteda, regressou ao norte de Moçambique, e Fernanda Correia permaneceu em Nampula. Primeiro ficou em casa de uns amigos e depois numa pensão. Grávida e sozinha com o filho ainda bebé. Ali esperou mais seis meses até voltar a ver o marido. Ao lado de outras mulheres de militares. “Aí sabiam-se as notícias todas. As boas e as más. Íamo-nos amparando umas às outras, mas foram momentos muito difíceis. Senti-me só e estava em permanente aflição a pensar se no dia seguinte receberia eu uma má notícia”, revela.Ao fim de seis meses o marido regressou e os três partiram para uma zona onde já não havia guerra e onde o militar poderia estar mais perto da família: Morrumbala. Foi lá que nasceu a filha. Aos oito meses. Fruto de um parto prematuro, desencadeado por uma gravidez vivida em situação de guerra. A bebé, com menos de dois quilos de peso, foi aconchegada numa incubadora de algodão improvisada no hospital de campanha. O gerador ficava ligado noite e dia para aquecer a criança, que conseguiu vingar no calor de África. “Era mesmo resistente. Sobreviveu porque tinha que sobreviver”, garante a mãe.De Alpiarça a avó mandou num caixote o enxoval para o bebé. As latas de leite eram encomendadas ao cantineiro. Para levar a criança ao médico tiveram que esperar que atingisse os dois meses e meio. O caminho ficava a um dia de jipe e outro de comboio. Em Moçambique viveram numa casa sem água nem luz. A futura professora do primeiro ciclo ainda chegou a leccionar na escola da aldeia. Cozinhava para a família no fogão a gás e com o trem de cozinha que levou de Portugal. A única coisa que a tropa emprestava eram as camas. Os caixotes das encomendas que chegavam de Portugal serviam de mesas de cabeceira e cómodas nos quartos dos militares.Os livros, que eram trocados entre as mulheres dos militares aquartelados, e o crochet ajudavam a matar as horas de um tempo que teimava em arrastar-se.

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