Retrospectiva 2009 | 04-02-2010 10:16

“Os bailarinos são atletas de alta competição sem horários”

“Os bailarinos são atletas de alta competição sem horários”
Ser bailarina era um sonho de criança?Pode dizer-se que sim. Há pessoas que divagam um pouco. Querem ser bailarinas entre os cinco e os oito anos e depois desistem. Desde pequena que quis ser bailarina. Comecei a ter aulas de ballet aos três anos em Fátima. Mas o chamamento aconteceu com os espectáculos do ballet Gulbenkian que vi em Leiria. Foi o primeiro grande apelo. Além das coisas que passavam na RTP 2, há muito tempo, e que via a horas tardias. É bailarina profissional. E isso é trabalho ou prazer?As duas coisas. Costumo usar uma expressão: não é só um trabalho é uma vocação. E muitas vezes não dá prazer nenhum. Dá muita dor, desespero, responsabilidades, dá vontade de desistir, mas isso é o aliciante. Depois de ultrapassarmos tudo isso é que chegamos ao prazer.Um dos últimos espectáculos chama-se “Waterproof” e centra-se na temática do aquecimento global. Interessa-lhe colocar a arte ao serviço de determinado tema?Sim. Os artistas têm essa função de receber estímulos da sociedade, perceber os problemas e tentar alertar sempre que possível para eles. Tendo uma escola, por exemplo, sentimos muito essa responsabilidade. “Waterproof” foi uma coisa dançada para públicos mais escolares que também teve o seu sucesso. É importante termos essa noção e não ficar fechados no estúdio a criar coisas muito evoluídas.Trabalha com o seu companheiro. Torna tudo mais difícil ou é uma vantagem?Há um lado bom e um lado mau (risos). Primeiro que tudo somos dois apaixonados pela dança. Eu não o puxei para nada nem ele a mim. Conhecemo-nos na Escola Superior de Dança, entrámos na Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo e decidimos sair para fazer o projecto a dois. Sempre construímos tudo a dois com sacrifícios. São duas sensibilidades que se unem para trabalhar. O trabalho que surge é duplamente melhor. Mas há muitos problemas que vão para casa. E essa é a parte má.Tem cuidados na alimentação?Sim. Os bailarinos são atletas de alta competição. Com uma agravante: enquanto que os atletas são muito regrados, os bailarinos são atletas de alta competição sem horários. Não tem nada a ver com o atleta que corre e não parte o corpo. Nós levamos o corpo ao extremo diariamente. Eu tenho uma vantagem que às vezes é desvantagem. O meu corpo não assimila massa gorda. Para lubrificar as articulações seria bom assimilar. Por isso às vezes umas feijoadas também fazem bem (risos). Quais são então os sacrifícios de uma bailarina?Abdicar dos amigos, da família e trabalhar. É assumir que tenho esta paixão e que não posso ter outras coisas muitas vezes. Passar fins-de-semana a ver televisão com a minha mãe. Não fazer nada. Comer bolos à vontade. Não é um objectivo de vida, mas se tenho um espectáculo e sei que vou dançar de calção de lycra tenho que estar bem. Não somos pessoas normais. E gosta da transformação do seu corpo?Gosto do estereótipo de corpo de bailarino que é um corpo marcado e definido. Diferente do trabalho que se faz no ginásio. Os bailarinos são mais franzinos. Temos as feições marcadas que é do esforço. São marcas genuínas. Sei o que fiz para ter os pés como tenho agora. Sei que o meu rabo está diferente porque fiz muitas aulas com afinco. Ver as transformações no corpo é quase um objectivo.Entristece-a ter mais visibilidade lá fora do que na região?Na região não há assim tantas salas, mas entristece-me já ter telefonado várias vezes para teatros, não ter resposta e vir a saber que recebem outros espectáculos. Mas já me preocupei mais com isso. Se um dia acharem que lá deva ir terei todo o gosto. Os lobbies existem, mas as coisas estão a mudar. Em vez de comprar uma casa montou uma escola de balletA bailarina e coreógrafa Claúdia Neves Martins nasceu a 25 de Julho de 1979 em Coimbra, mas cresceu em Fátima, onde tem a sua família. É filha de uma cozinheira e de um professor de português e latim. Nasceu numa família de artistas, à sua maneira. O irmão, mais virado para a guitarra clássica, está a tirar o curso direito e está a ajudar a mãe no restaurante. Cláudia Martins confessa que não tem poiso certo. Movimenta-se entre Fátima, Figueira da Foz, Lisboa e o mundo. “Somos como os ciganos”, diz. Em conjunto com o seu companheiro, Rafael Carriço, tem em funcionamento em Fátima a companhia de dança Vortice.Dance e a escola Tutuballet. “As pessoas iniciam a vida fazendo um empréstimo para a casa, nós investimos numa escola de ballet”, diz a sorrir. A companhia ainda está sediada na Estrada de Minde, mas os dois coreógrafos estão de malas aviadas para a Figueira da Foz, onde conseguiram mais apoio. Na cidade ficará apenas a escola de ballet onde um menino e 79 meninas, dos 4 aos 18 anos de idade, aprendem a dar os primeiros passos de dança clássica.Cláudia Martins é licenciada pela Escola Superior de Dança, teve formação posterior numa escola holandesa e fez vários seminários em todo o mundo. A companhia que dirige é apoiada pelo Ministério da Cultura, mas é mais reconhecida lá fora que em Portugal. Finlândia, Japão, Hungria, Suíça e Letónia, onde foi premiada, já se renderam aos encantos da companhia que dirige. O Teatro Arriaga, em Bilbao, é um dos seus espaços preferidos para dançar. O que lhe dá mais orgulho é conseguir conquistar público para ver espectáculos como “O Quebra Nozes”. Até o fornecedor de frutas da mãe já foi ver um espectáculo seu.

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