23º Aniversário | 17-11-2010 15:37

A Avozinha dos presos e dos sem abrigo que também fez de casamenteira

Não pára quieta. Pequena e magra, faz lembrar a fada-madrinha dos contos de fadas. E quase que age como tal, tornando por vezes reais pequenos sonhos daqueles que a rodeiam. Um deles envolveu um pastel de nata e venceu um concurso internacional.

Gracinda Gomes tem 80 anos e faz voluntariado em Fátima, na Comunidade Vida e Paz (instituição de solidariedade ligada aos sem abrigo). Ficou conhecida como a “avozinha” dos presos. Hoje é a “avozinha” de todos os que com ela convivem. “Ao longo da minha vida sempre ajudei quem me bateu à porta”, começa por contar. O grande impulso para o voluntariado deu-se aos 55 anos, quando ficou viúva depois de mais de 30 anos de casamento. “Fui-me um pouco abaixo”, explica, até que um casal amigo a convidou para um curso de cristandade com o tema “Olha à tua volta”. “O tema mexeu comigo. Fui e nunca mais parei”.Começou por entrar em contacto com as mulheres da rua. “Havia jovens que passavam na frente do meu prédio” ligadas à prostituição. “Comecei a meter-me com elas, ia aos quartos e ajudei as que quiseram ser ajudadas”. Apesar de muitas terem continuado na vida, uma delas foi um caso de grande sucesso. Uma jovem com pouco mais de 20 anos, três filhos, um dos quais com sete anos, que não andava na escola e já roubava. “Eu e umas amigas alugámos um apartamento, colocámos o miúdo a aprender a ler, arranjámos emprego para a mãe e avisámo-la para se dar ao respeito”. Pouco tempo depois a mãe veio pedir-lhe conselhos sobre um rapaz. Mais tarde casou com ele e teve um filho. “Foi um sucesso”. Gracinda Gomes não parou por ali e organizou um grupo de jovens, onde se debatiam temas como a droga, na altura ainda pouco discutida. “Casaram vários. Ainda hoje o grupo se reúne, principalmente os casais, para oração, para partilha de experiências”.É nesse grupo que uma jovem lhe pede que a acompanhe pela primeira vez numa visita à prisão. “Correu bem”, recorda, mas lembra que, na altura, o local pouco mais era que “um corredor escuro”. Começou a ter contactos com prisioneiros e a ajudá-los. “Gostei muito, eram jovens entre os 16 e os 25 anos. Eu tinha acesso às celas. Ia falar, fazer companhia, eles contavam-me as suas histórias. Foram eles que a começaram a tratar por “avozinha”. “Havia rapazes muito revoltados e pediam-me que falasse com eles. As celas eram muito sujas com fotografias de mulheres nas paredes mas sempre me trataram com respeito e nunca me senti insegura”, relembra. “Um dia perguntei a um preso que ia fazer 19 anos qual era a prenda que gostaria de receber e ele disse-me, com lágrimas nos olhos, que era um pastel de nata porque desde que estava preso nunca mais tinha comido nenhum”. Sensibilizada e apesar de saber que, na altura, era proibido, tudo fez para conseguir que nesse dia o prisioneiro pudesse comer um pastel de nata. E conseguiu. Mais tarde o jovem participou num concurso internacional para presos, onde escreviam histórias sobre voluntários e a história do pastel de nata venceu. Gracinda fundou ainda o Movimento das Viúvas da Marinha Grande, distrito de Leiria, ligou-se a vários outros movimentos e esteve junto da fundadora da Comunidade Vida e Paz. Contando sempre com o apoio dos filhos, partiu para Lisboa, onde começou a lidar com os sem abrigo e a fazer parte da vida da instituição. “Eu dava conta de tudo, andava de um lado para o outro, com grupos de jovens, prisões, sem abrigo, etc”. Em Fátima vem conversar, lidando com toxicodependentes, alcoólicos, sem abrigo. “É a minha presença, o estar atenta, ajudo-os a quererem ficar, a ligar às famílias”. “Faço o que posso, ajudo no que é preciso ajudar. Estou na minha casa”.Gracinda continua a ir às prisões, mas passa boa parte da semana em Fátima. Deixou de dar catequese, mas continua ligada aos movimentos que fundou. Anda sempre de transportes públicos e confessa que muitas vezes passa bastante tempo sem ver a família, apesar desta estar sempre em primeiro lugar. “Há sempre dificuldades, mas não as tomo por dificuldades. Sabemos o campo em que estamos e que tudo pode acontecer”. Ajudou a tirar muitos jovens da prisão que depois regressaram. “Perguntavam-me se valia a pena tê-los defendido em tribunal. Eu acho que sempre vale a pena. Eu nunca me arrependo do que faço e eles não podem dizer que ninguém os ajudou. Não estou arrependida do caminho que fiz, sinto-me feliz”, comenta. “Esta missão não tem fim e enquanto puder é andar, é fazer. O que quer dizer isto? É «olhar à tua volta»”.

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