Municípios continuam a perder oportunidades por causa da lógica da “recompensa eleitoral”

O ex-ministro da Economia, Augusto Mateus, professor catedrático, investigador e consultor em áreas como política económica, avaliação de programas e políticas de desenvolvimento fala do trabalho desenvolvido pela Augusto Mateus & Associados na zona do Ribatejo e identifica potencialidades e constrangimentos.

A maior parte da centena e meia de clientes da Sociedade de Consultores Augusto Mateus & Associados são grandes empresas. Isso não se passa na zona do Ribatejo onde a maior parte dos clientes são autarquias. Como tem sido trabalhar para esses clientes? A nossa função é de apoio à decisão. De fundamentação da decisão. De acompanhar estratégias de desenvolvimento. A nossa função é ajudar a que as decisões sejam tomadas ao nível certo. Nós temos um problema em Portugal, que é tomarmos decisões a um nível demasiado centralizado ou a um nível demasiado localizado. As decisões têm de ser tomadas em função da força necessária para a transformação que se pretende. Em termos de autarquias, aquilo que nós procurámos fazer foi estimular uma consciência, simultaneamente local e regional num contexto de seguirmos uma grande orientação que nos pareceu bem formulada, na própria política europeia de coesão que é a chamada apropriação descentralizada de estratégias. Isto é, uma estratégia será tanto melhor quanto mais descentralizada for a sua apropriação pelos protagonistas. Não pode ser é excessivamente porque senão perde massa crítica, torna-se demasiado local. Nesses trabalhos para as autarquias aparece sempre a referência à cooperação intermunicipal mas é sabido que essa cooperação intermunicipal é praticamente inexistente.Nós tentámos, com algum êxito, até a colaboração a um nível mais alargado. Por exemplo, quando elaborámos o programa territorial de desenvolvimento para o Médio Tejo, como estávamos também a elaborar o programa de desenvolvimento territorial para o Pinhal Interior Sul, acabámos por promover um casamento entre as duas associações de municípios. A estratégia que se desenhou acabou por ser conjunta, até porque no Médio Tejo já existe uma área significativa de concelhos que têm os mesmos problemas e as mesmas características dos concelhos do Pinhel Interior Sul. Noutros casos isso não foi possível. Quando fala de êxito fala exactamente de quê? Que balanço pode ser feito da cooperação intermunicipal?Quando procurámos discutir com os autarcas e com as suas equipas uma lógica regional as coisas correram bastante bem, até porque as pessoas puderam ver a diferença entre o que eram os projectos da autarquia e os projectos da região a que a autarquia pertence. Ficou claro para muita gente que se devem evitar e que é possível evitar duplicações de infra-estruturas e é positivo as pessoas perceberem que se colaborarem podem fazer coisas com muito mais ambição; mais sustentáveis e com mais visibilidade externa. Perceber, percebem. Mas há entraves à concretização. Como os autarcas são eleitos numa dinâmica concelhia e em cada concelho ainda há muitas manifestações de rivalidades e de comparações com o que se passa no concelho vizinho, os projectos são muitas vezes escolhidos e levados à prática num contexto que é legítimo mas que é capaz de ter um peso a mais, que é o da recompensa eleitoral. O quadro de funcionamento em que permanecemos é ainda, basicamente, um quadro concelhio no seio do qual se faz o essencial dos projectos. Ainda há muito caminho para andar.E entretanto continuam a perder-se oportunidades.O melhor exemplo é o que se conseguiu com aquilo que ficou conhecido como as contrapartidas da Ota, que foi preparado tecnicamente por uma equipa coordenada por mim. O plano consistiu em negociar com o Governo Central um conjunto de projectos e de medidas onde entram coisas como a valorização do Mosteiro de Alcobaça, a rentabilização da Linha do Oeste. Tudo aquilo faz parte de um pacote global em que os municípios e o Governo se colocam solidários para lhe dar vida. O que falhou?A concretização dos projectos pressupunha que os municípios continuassem a trabalhar juntos porque são projectos intermunicipais. E não continuaram?Os autarcas têm uma tendência muito grande para se concentrarem naquilo que é para os seus concelhos e não naquilo que podem fazer em conjunto com os municípios que fazem parte da sua região. Há pouco utilizou a expressão: "aquilo que ficou conhecido como as contrapartidas da Ota". Não foram contrapartidas?A partir do momento em que aceitei o trabalho fui claro para os autarcas. Não me parecia que os municípios do Oeste e os da margem direita da Lezíria ficassem prejudicados com a localização do aeroporto no campo de tiro de Alcochete em vez da Ota. Porquê?Se um aeroporto no Campo de tiro de Alcochete pode ser um bom aeroporto e um aeroporto na Ota pode ser um aeroporto com fortes limitações, é muito mais importante que o aeroporto seja bom do que fique à porta de casa. Ter à porta de casa uma coisa que não é optimizada é muito pior do que ter pertíssimo de casa uma coisa que é optimizada. Todos os autarcas querem basicamente o mesmo para os seus concelhos. Mais investimentos, mais pessoas, melhores equipamentos, etc. Como é que se explica a um determinado presidente de câmara que isso nem sempre é possível.O que nós tentamos é explicar que o caminho para determinados objectivos que são relativamente fáceis de identificar, pode ser completamente diferente daquele que as pessoas estão a pensar. Eu percebo que, em primeiro lugar, os autarcas se dirijam aos seus eleitores. O problema é que, muitas vezes, algumas das coisas que querem fazer e que os munícipes que os elegeram querem que eles façam, não as podem fazer à escala do município. Só as conseguem fazer à escala de vários municípios.E em termos de escala há municípios que até poderiam ir mais longe.Sim. Não há razão nenhuma para que num município com alguma massa crítica não se façam coisas mais determinadas por uma escala internacional do que por uma escala local ou regional. Não há razão nenhuma para condenar um município português a ficar apenas no contexto do país e da sua região. Pode ser muito interessante para Tomar, por exemplo, prestar atenção ao que se faz em torno do tema dos Templários. Se olharmos para Tomar apenas no contexto de Portugal podemos perder a possibilidade de Tomar fazer como fez Paris, por exemplo, em termos de visitação, aproveitando os icons do livro do Dan Brown (O Código Da Vinci).E Tomar não é exemplo único. Nós tentamos, muitas vezes, pôr os autarcas a contactar com experiências que eles não conhecem, sugerindo que acompanhem certas experiências feitas noutros países. Procuramos levar aos responsáveis dos municípios uma visão mais aberta. Mais internacional. Tentar que as pessoas saiam um bocadinho de uma visão centrada apenas em Portugal ou na Europa porque há coisas muito interessantes que se passam no mundo. Os consultores que têm algum conhecimento também têm por função ajudar os municípios e autarquias, sem descurar a sua realidade, a terem uma visão mais cosmopolita. Mais global.Há alguma receita para atrair investimentos para determinado concelho? Os concelhos do interior, por exemplo, têm uma grande preferência por uma baixa de impostos quando o que determina a instalação das empresas nada tem a ver com isso. O que é determinante é o acesso a serviços. Qualidade de vida para os quadros das empresas, acesso a boa logística. A taxa do IRC é uma coisa secundaríssima em relação a estas matérias. Não é por me darem uma vantagem de 4 ou 5 por cento, ou 6 ou 10 por cento na taxa do IRC que eu vou localizar uma coisa que precisa de serviços num território que não tem esses serviços para me oferecer. Também há casos em que conta a localização, a disponibilidade de terrenos...Nalguns concelhos a lógica da valorização dos recursos naturais endógenos é importante mas ninguém consegue atrair actividades mais intensivas em conhecimento e em formação para um concelho que não tenha serviços qualificados; que não tenha uma bolsa de jovens altamente qualificados; que não tenha uma população instruída com o 12º ano - a sério e não a brincar - para poder vir a ser contratada. A zona de confluência da A23 com a A1 continua a ser atractiva para a instalação de empresas? Essa zona está condenada a ser um local privilegiado de desenvolvimento económico. Duradouramente será uma boa localização para fazer o encontro com a Espanha e para fazer o encontro Norte/Sul. E estará sempre longe do bulício e do congestionamento da área metropolitana que nunca chegará àquele território. Só um cego é que não vê a importância daquela zona.A introdução das portagens pode afectar isso por causa dos custos acrescidos?Toda a gente gostava de ter custos diminuídos em vez de custos acrescidos mas qualquer pessoa percebe que o país ganha em ter um sistema rodoviário equilibrado. Nós temos que ter, como qualquer país organizado, um sistema de auto-estradas em que uma parte é portajada e outra parte não é, para garantir a própria expansão da rede.Nós em Portugal, eventualmente, construímos auto-estradas a mais. Se calhar não precisamos de tantas auto-estradas. O que aconteceu foi que a certa altura se pensou que as auto-estradas eram a grande maneira de conquistar o voto dos eleitores. Mais uma vez, em relação às portagens, parece estar a funcionar a pressão eleitoral. Assim que foram anunciadas começaram logo a surgir as excepções.É uma grande confusão. Nós ganhávamos em ter um sistema único com portagem manual, com portagem electrónica, com portagem com moeda ou com cartão. O que não faz sentido é eu pagar cinco cêntimos porque tenho um metro e sessenta ou pagar 10 cêntimos porque nasci no quilómetro 32 e não no 34, até porque o poder de compra das pessoas não está associado ao local onde elas têm residência registada. No mesmo concelho posso ter um pobre e um rico registados e vão os dois pagar o mesmo.A mobilidade é algo mais que estradasQuando se fazem estudos de mobilidade, isso envolve não só as vias de comunicação mas também as redes de transportes.Sim. A área metropolitana de Lisboa tem uma boa rede de transportes que é suportada em parte pelo Orçamento Geral do Estado mas numa região como Santarém não há uma rede de transportes que favoreça a mobilidade. Como pode haver desenvolvimento sem transportes eficazes?Você está a tocar num ponto que é absolutamente crucial. Se calhar teria feito sentido que a própria Carris pudesse ter levado a sua capacidade e a sua eficiência mais longe do que a mera cidade de Lisboa. A Carris é uma empresa bem gerida. Que fez ganhos significativos de produtividade e eficiência mas que não está a ser aproveitada. Podia ser melhor aproveitada se pudesse aparecer, em concorrência, sem mercado protegido, com outras empresas, públicas ou privadas, a apresentar propostas credíveis para sistemas de transportes públicos a uma escala regional. Não pode haver sistemas de transportes públicos a uma escala concelhia. Não faz qualquer sentido. Nós construímos sistemas de transportes colectivos para Lisboa e para o Porto mas as populações que vivem noutras regiões também precisam de transportes colectivos. Temos que ter solução para isso.Como é possível ter uma cidade região de Lisboa com uma estação do século dezanove como a do Entroncamento, transportes a custos incomportáveis e cada vez menos comboios, a demorarem mais tempo, para fazer a ligação ao centro da capital? Aqui seria necessária a intervenção de um governo da cidade-região, que começa algures em Leiria, Abrantes, Tomar e vai até Sines. Entre este espaço da cidade região e o espaço da área metropolitana que é mais fácil definir, é perfeitamente possível definir um sistema de transportes coerente em que as pessoas tenham, quer a possibilidade de circular nesta cidade região, quer a possibilidade de ter o problema casa-trabalho-casa, resolvido numa espaço regional. Torres Novas, Golegã, Barquinha, tendo a estação do Entroncamento como ponto de referência numa articulação com a gare do Oriente. Tudo isso são oportunidades que se vão perdendo. E a própria configuração da estação do Entroncamento, tem que ser alterada. Ela tem que ser vista não apenas como uma mera estação ferroviária mas como um centro de serviços. Como um centro de animação. Como algo que vá mais longe. Uma outra organização do ensino superiorAcredita que a actual situação de crise pode fazer avançar algumas medidas que foram travadas por questões meramente eleitoralistas. A fusão de freguesias, por exemplo, que o senhor também defende e que não avançou por causa do custo eleitoral, pode avançar agora? O país tem um problema tão grande do ponto de vista de sustentabilidade económica, que tem que perder o medo desses custos. Os outros custos são bem maiores.Também há fusões que não se equacionam sem ser por motivos eleitoralistas. A fusão dos dois politécnicos do distrito de Santarém, por exemplo. O senhor é presidente do Conselho Geral do Instituto Politécnico de Tomar. O que pensa do assunto? Uma instituição de ensino superior é uma instituição que tem que fazer ciência e difundir ciência. Para fazer ciência é precisa massa crítica. São precisos recursos altamente qualificados. Um país como Portugal não pode ter uma instituição de ensino superior em cada localidade. Temos que perder aquela ilusão de que uma instituição de ciência, tecnologia ou ensino superior é de um território. Nós muitas vezes olhamos para a instituição como o edifício onde decorrem umas aulas ou onde se faz uma investigação. Se eu esquecer o edifício e pensar que ensino superior são, bons professores, bons investigadores e alunos empenhados em trabalhar para difundirem ciência e produzirem competências, então isso pode ser feito através de uma rede federada de escola, com uma gestão unificada.Esse pode ser um ponto de partida para uma discussão entre os Politécnicos de Tomar e Santarém?Claro. E se for possível deve-se ir mais longe. Chegar a Castelo Branco, por exemplo. Porque não? O que nós precisamos é de instituições fortes que se especializem naquilo em que podem ter força e não instituições fracas e limitadas.

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