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Justiça devia ter mão de ferro com quem polui os rios

Justiça devia ter mão de ferro com quem polui os rios

Carlos Mineiro Aires, natural de Abrantes, tem um diversificado e rico percurso profissional em boa parte ligado às questões da água e do ambiente. Nesta primeira parte da entrevista, o actual Bastonário da Ordem dos Engenheiros, que já foi presidente do Instituto da Água, admite que tem havido alguma permissividade e que faltam meios para uma fiscalização mais eficaz que conduza à identificação e punição das fontes poluidoras.

Os problemas ambientais em linhas de água continuam a existir. Na nossa região os rios Tejo e Almonda são regularmente objecto de descargas poluentes. Não tem havido alguma condescendência por parte das autoridades face a esses problemas?
As questões recorrentes do Almonda e do Tejo continuam efectivamente a persistir mas, em boa verdade, temos que reconhecer que estão bastante melhor do que estavam há 20 anos. As entidades fiscalizadoras podem ser de alguma forma permissivas e a justiça, se calhar, também devia actuar com mão de ferro sobre esses comportamentos criminosos. Muitas vezes usa-se a desculpa de que estão em causa postos de trabalho e uma série de coisas... Isso pode vir a justificar uma série de coisas injustificáveis.
Falta consciência ambiental a algum tecido empresarial ou subsiste a ideia de que o crime ainda compensa?
Acho que hoje os empresários, que são cada vez mais necessários ao país, também foram ganhando uma consciência ambiental e a noção de que nem tudo pode ser feito. Infelizmente alguns persistem ainda pontualmente em tomar atitudes dessas. Eu acho que o caminho é dar-lhes uma segunda oportunidade para não voltarem a fazer o que fazem.
Essa segunda oportunidade, pelos vistos, tem sido dada com frequência e também a terceira e a quarta...
Por isso é que falo numa segunda oportunidade. À terceira é muito simples: é fazer cumprir a lei e evitar definitivamente que sejam cometidos esses crimes ambientais. Hoje começamos a ter uma noção da perenidade dos recursos e temos a obrigação de entregar aos vindouros um mundo em condições melhores do que aquelas em que o recebemos.
A falta de meios para fiscalização é uma das razões apontadas para não se conseguir controlar esse problema.
Não defendo que regressemos ao tempo dos antigos guarda-rios que andavam com uma espingarda dos tempos da monarquia às costas a fiscalizar as linhas de água. Hoje há meios para monitorizar a qualidade da água e detectar infracções dessa natureza. Se as leis não são aplicadas e só se reage quando as coisas acontecem, algo está mal. Efectivamente tenho que reconhecer que não há meios adequados para exercer este tipo de fiscalização em Portugal.
Isso faz-se com mais pessoas.
Com mais pessoas e com meios adequados. Há muitas formas de o fazer e de poupar dinheiro. Não defendo que o Estado volte a engordar, mas um Estado que aliena as suas competências ou que destrói e aniquila organismos essenciais está a enfraquecer-se a ele mesmo.
O assoreamento do Tejo tem sido outro problema levantado regularmente. A navegabilidade e regularização do rio no Ribatejo, ideia tão cara a alguns políticos há uns anos atrás, é para esquecer?
O assoreamento acontece em todos os rios. O Tejo não começa em Portugal, vem de muito longe. Na sua bacia hidrográfica existem muitas barragens em território espanhol e algumas em território português. Essas barragens controlam os caudais e cada vez temos menos caudais no Tejo.
Mas tem sido dito que os espanhóis cumprem os caudais convencionados.
Sim, mas o caudal ecológico destina-se a garantir a sobrevivência da vida do rio e não a manter condições de escoamento como acontecia antigamente. Lembro-me das cheias em Abrantes e no Tramagal - aliás bem vindas, pois nessas alturas não havia escola - e de não se passar em São Miguel do Rio Torto ou no Rossio ao Sul do Tejo, com essas zonas completamente inundadas e com cotas altíssimas. E em Constância era a mesma coisa. Essas cheias hoje ocorrem muito esporadicamente e só quando todas as barragens estão cheias e o rio volta a ser o que era antigamente.
Essas grandes cheias têm um efeito benéfico e não o contrário, como por vezes se faz crer?
Essas cheias trazem sedimentos mas também arrastam os que estão no leito. Hoje, como não há caudais de cheia que arrastem os sedimentos os que lá estão não são transportados e ficam ali. Até há uns anos havia uma solução comercial para esse problema, que era a extracção de areia. Não resultou e a procura que há hoje para a areia também já não é o que era, com a crise instalada na construção. Isto inviabiliza cada vez mais o sonho de navegabilidade do Tejo.
Temos que nos conformar com um rio cheio de areia?
A navegabilidade do Tejo a norte de Santarém sempre foi complicada. O Tejo pode ter interesse em termos de navegabilidade turística e isso pode ser explorado. Há zonas onde isso já se faz, como entre Valada e Escaroupim, zona já muito procurada e que é um paraíso da natureza. Agora ter uma solução de navegabilidade para fins comerciais ou de transporte de mercadorias já não se justifica, com a oferta que há de auto-estradas e até com o caminho de ferro.

“Abrantes na minha juventude não tinha nada”

O Tejo em Abrantes tem sido notícia também devido aos problemas no açude insuflável e também devido ao travessão existente no leito na zona da central do Pego. Acompanhou essas questões?
Tenho acompanhado. São questões muito badaladas e que têm tido algum impacto mediático. Em relação à Central Termoeléctrica do Pego, foi um investimento feito para produzir energia eléctrica no país numa altura em que não havia a percentagem de energias renováveis que há hoje. O travessão feito no Tejo foi para criar um espelho de água mínimo para garantir o arrefecimento da central.
E quanto ao açude insuflável de Abrantes?
Tem sido alvo de muitas críticas e obviamente não é um assunto pacífico. Houve a intenção básica de criar ali um espelho de água para valorização das margens do Tejo, que estavam abandonadas. O que foi conseguido.
Gostou da intervenção feita na zona ribeirinha de Abrantes?
Sim, é aprazível. Abrantes na minha juventude não tinha nada. Quando havia aulas tinha algum movimento, quando não tinha aulas morria. Agora do ponto de vista ambiental e dos impactos, o açude insuflável não é pacífico.
Se o senhor fosse o presidente da Câmara de Abrantes avançaria com aquele projecto?
Nunca pus as coisas nesses termos. Hipoteticamente, diria que possivelmente, para valorizar as margens do Tejo, valia a pena pensar em algo semelhante - havia outras opções possivelmente. Agora o que interessa hoje é avaliar os impactos positivos e negativos que aquilo teve e como é que se podem mitigar. Julgo que pode haver soluções, não sei é se há dinheiro para os investimentos.
Este projecto traz à ideia uma questão que parece nem sempre ser valorizada pelos nossos decisores, que passa pelos custos de manutenção de determinados equipamentos.
Aí entramos numa questão muito querida à Ordem dos Engenheiros, que é a da avaliação dos investimentos públicos. Desde logo para saber se se justificam ou não, quais as melhores soluções, como é o financiamento e por último a questão da manutenção e acompanhamento contínuo das obras, que por norma se descura muito. Essa parcela da manutenção e da conservação é um custo a ter sempre em conta.
Na zona de Abrantes é falada há muito tempo a necessidade de uma nova ponte sobre o Tejo. O que pensa disso?
Tudo isso tem enquadramento no tempo e no espaço. Havendo ali um núcleo militar e algum tecido industrial que podia ser potenciado, poderia fazer sentido uma ligação mais directa à auto-estrada A23. Penso que um dia em que voltemos a ter alguma folga orçamental isso poderá ser pensado.
Por vezes ouve-se dizer que temos auto-estradas a mais.
As auto-estradas estavam previstas num plano rodoviário nacional, que foi financiado a nível comunitário, o que pressupõe que todos estavam de acordo com ele. O plano foi sendo concretizado e ainda faltam construir 3.800 quilómetros...
Alguns deles no Ribatejo...
Enquanto essas auto-estradas foram sendo construídas nunca ouvi vozes a dizer que aquilo estava mal. Hoje questiona-se tudo, nomeadamente os mais jovens que acusam as gerações anteriores de despesismo. Eu respondo da seguinte forma: quando quiserem ir para o Algarve ou para Bragança vão pelas estradas nacionais para ver como era. Hoje temos um país infraestruturado, com auto-estradas, com hospitais, com escolas. Somos um país completamente diferente e devemos estar orgulhosos disso. Temos é que garantir o futuro e fazer melhor ainda. Temos pessoas para isso, não podemos é deixá-las sair, como está a acontecer.

A juventude feliz no Tramagal

Carlos Alberto Mineiro Aires nasceu em Abrantes em 29 de Outubro de 1951, mas diz que se sente mais do Tramagal, vila do concelho de Abrantes onde viveu boa parte da sua infância e juventude e que continua a visitar sempre que tem oportunidade. “Um dia, quando morrer, o sítio onde gostava de ser enterrado era lá. É onde estão os meus pais e os meus avós”, confessa.
Estudou no Tramagal, em Lourenço Marques (hoje Maputo), no externato de Santa Bárbara, na freguesia de Praia do Ribatejo (Vila Nova da Barquinha), e em Abrantes antes de ingressar no ensino superior em Lisboa, cidade onde reside. Um percurso de “saltimbanco”, diz, motivado pelo facto de o pai ser militar e a família o ir acompanhando consoante as suas colocações. Bom aluno, Carlos Mineiro Aires revela que ainda pensou em ser médico, mas acabou por optar pelo curso de engenharia civil.
Casado e pai de duas filhas, o bastonário da Ordem dos Engenheiros é um amante dos prazeres mundanos. Na sua juventude integrou conjuntos musicais - como Os Órbitas e a 1880 Village Band - e ainda hoje dá uns toques nas suas violas eléctricas. “Tivemos algum sucesso ali na zona. Fazíamos bailaricos, bailes de finalistas, essas coisas todas”, afirma, acrescentando que teve uma infância “muito divertida”.
A caça e os carros clássicos são outras das suas paixões, bem como andar de moto. Passatempos para os quais já não tem muito tempo, confessa, pois as actuais funções são muito absorventes, afirmando que nunca trabalhou tanto na vida. Foi eleito bastonário da Ordem dos Engenheiros em Abril de 2016 para um mandato de três anos.
No seu currículo não faltam outros cargos de elevada responsabilidade. Carlos Mineiro Aires desempenhou, entre outras funções, a presidência do Conselho de Gerência do Metropolitano de Lisboa, da Simtejo, da Comissão Nacional Portuguesa das Grandes Barragens, da Comissão de Avaliação dos Impactes Ambientais da Barragem do Alqueva e foi também presidente e vice-presidente do Instituto da Água (INAG), a cujos quadros pertencia. Quando o INAG foi extinto, passou a integrar os quadros da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

Justiça devia ter mão de ferro com quem polui os rios

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